A mandala da prevenção combinada questionada (ilust. R.Petram)

Por Elisiane Pasini

Nos últimos anos muito tem se falado mundialmente sobre a Prevenção Combinada do HIV, um esperançoso símbolo de mudança do paradigma na luta contra o HIV. Novas estratégias de prevenção e outras revisitadas se tornaram ferramentas complementares para o enfrentamento do HIV. Assim, a Prevenção Combinada embasada em sinergias entre a prevenção comportamental, estrutural e biomédica se tornou uma estratégia de combate ao HIV e outras IST. No Brasil, desde 2013, o antigo DIAHV[1] tornou a Prevenção Combinada sua concepção norteadora no enfrentamento do HIV. Segundo o livro organizado pelo Ministério da Saúde, “Prevenção Combinada ao HIV/Aids: bases conceituais para estudantes, profissionais, trabalhadores e gestores de saúde” (Ministério da Saúde, 2017) a definição é:

“É uma estratégia de prevenção que faz uso combinado de intervenções biomédicas, comportamentais e estruturais aplicadas no nível dos indivíduos, de suas relações e dos grupos sociais a que pertencem, mediante ações que levem em consideração suas necessidades e especificidades e as formas de transmissão do vírus.” (Ministério da Saúde, pg. 18, 2017).

Especificamente, essas estratégias são voltadas para populações específicas e devem ter uma abordagem diferente para cada uma delas, pois cada pessoa deve ser compreendida em sua integralidade, garantindo intervenções que abranjam aspectos sociais, legais, econômicos, culturais, de gênero, idade e de raça. Afirma-se que o uso e a combinação das ferramentas de prevenção dependem do contexto, das necessidades, das práticas e do estilo de vida da pessoa, a qual deverá ser respeitada e conciliada com sua(s) parceria(s) sexual(is).

Portanto, a Prevenção Combinada amplia a possibilidade de eleição das estratégias de prevenção permitindo que as pessoas tenham maior liberdade em suas escolhas, encontrando outras estratégias para além do preservativo externo (antigo preservativo masculino). De fato, essa é uma questão fundamental, pois a liberdade na escolha de outras ferramentas potencializa o bem-estar e a apropriação da sua prevenção. É importante destacar o tema da sexualidade que, muitas vezes, é ignorado no debate sobre prevenção do HIV, afinal, é um assunto sigiloso e tabu em nossa sociedade. Certamente, para a promoção da saúde e a prevenção é fundamental a escuta e o respeito das práticas e dos desejos, que variam de pessoa para pessoa. Nesse sentido, é fundamental combinar o cuidado com o prazer. Fazer prevenção com tesão é muito mais saudável, eficaz e eficiente!

Fazer prevenção com tesão é muito mais saudável, eficaz e eficiente!

Durante os últimos anos de parceria e atuação com as trabalhadoras sexuais (TS) sempre me inquietava o fato delas questionarem para quem mesmo era a Prevenção Combinada do HIV. E, ainda, se de fato as TS tinham o direito de combinar sua prevenção. Para compor essa discussão eu conversei com cinco TS cisgênero[2], representantes das três redes nacionais de trabalho sexual: Articulação Nacional de Profissionais do Sexo (ANPS), Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais (CUTS) e Rede Brasileira de Prostitutas (RBP). Elas falaram sobre a prevenção combinada e a dificuldade das TS terem conhecimento e acessarem às ferramentas de prevenção. Afinal, é preciso conhecer para escolher e acessar para usar. Carmem Costa (Coordenadora do Grupo Liberdade, integrante da ANPS) logo me avisa: Trabalhadora sexual informada dificilmente fica adoecida. Informação faz toda a diferença! Se ela sabe, ela se previne, ela se cuida. Vejamos alguns percepções sobre a Prevenção Combinada:

Prevenção combinada é quando você combina a prevenção de HIV e outras IST com a outra pessoa. Por exemplo, eu penso: quero fazer sexo seguro então quais recursos vou usar? Posso combinar com o parceiro como fazer a prevenção combinada, tipo escolhendo preservativos, a PrEP... Para o trabalho sexual a gente precisa conhecer bem para poder saber o que é melhor. (Célia Gomes, Coordenadora da CUTS e Coordenadora da APROSPI – Associação das Prostitutas do Piauí).

 

Prevenção combinada são todas essas formas de prevenção. O que vamos combinar para aquele momento. As formas de prevenção que existem e que a gente pode usar. Qual é o melhor equipamento para as minhas necessidades, naquele momento. O fato de ter os preservativos, a PEP e a PrEP disponíveis para nós acessarmos e, de forma gratuita, é muito importante. Pense nisso, mulher?! Foi uma das melhores coisas. Todos esses equipamentos e ainda gratuitos, no SUS. (Luza Silva. Coordenadora da APROS PB – Associação de Profissionais do Sexo da Paraíba e integrante da CUTS).

 

Prevenção combinada para quem? Se a gente do movimento não trabalhar bem a prevenção e não for atrás dela e de tudo que a gente tem direito como, por exemplo, das camisinhas, dos testes, do direito de fazer um teste de HIV e outras IST, nada acontece. Algumas vezes é até burocrático, até parece que as coisas nunca estão disponíveis. A PEP, a PrEP? Para quem mesmo? A gente não vê muito tudo isso ser ofertado, trabalhado para nós, trabalhadoras sexuais. Se a gente que está fazendo nosso trabalho entre pares não for atrás, cobrar do governo, nada vem para a gente, não. (Diana Soares, Coordenadora da ANPS e Coordenadora da ASPRORN – Associação das Prostitutas do Rio Grande do Norte).

 

A PEP, a PrEP? Para quem mesmo? A gente não vê muito tudo isso ser ofertado, trabalhado para nós, trabalhadoras sexuais.

Como visto, nos últimos anos, a Prevenção Combinada do HIV e sua mandala se tornaram o cerne para todo o trabalho de enfrentamento ao HIV e outras IST. Imediatamente, o movimento social também se mobilizou e compôs com o Governo para o fortalecimento, conhecimento e acesso a todas as metodologias de prevenção e de tratamento. Para as TS não foi diferente e, cada vez mais, as Redes e as ONGs se empoderaram e buscam maior conhecimento sobre o tema[3]. E elas sabem! Entretanto, muitas sublinham que isso tudo é só um jeito mais “bonito” de organizar o que elas sempre fizeram, que é compartilhar com suas colegas diferentes maneiras de se prevenirem.

Os direitos das TS e a Prevenção Combinada: Preservativo Interno, PEP, PrEP
Durante nossas conversas, as TS discorreram sobre as diferentes estratégias da Prevenção Combinada destacando o Preservativo Interno[4] (PI), a Profilaxia pós-exposição (PEP) e a Profilaxia pré-exposição (PrEP). Sendo assim, neste artigo privilegiarei a discussão sobre essas três estratégias conforme suas falas, com o intuito de contribuir e visibilizar um debate de extrema relevância para as pessoas que realizam o trabalho sexual.

Repetidamente, é fundamental destacar que preservativo interno é distribuído nacionalmente e gratuitamente no SUS desde o ano de 2000. Desde o começo, o movimento de mulheres, em especial das TS e do movimento Aids, foram aliadas na elaboração e execução de estratégias políticas para a implementação deste insumo no SUS. Contudo, nestes 20 anos, a política do preservativo interno foi negligenciada com hiatos de abastecimento e de consolidação da estratégia para sua oferta, acesso e uso. Afinal, é um insumo idealizado para vaginas de mulheres[5]! Em 2014, o preservativo interno ganhou uma nova notoriedade na política da Prevenção Combinada, mas só em 2016 o DIAHV implementou um plano de atuação e de comunicação em parceria com os movimentos sociais, gestores estaduais e municipais, profissionais de saúde e agências ONU. No entanto, o plano foi desconsiderado no segundo semestre de 2018, casualmente no mesmo período em que o Governo Federal concluiu a aquisição de preservativo interno de látex, indo contra argumentos científicos e as manifestações dos movimentos sociais[6]. As redes nacionais de trabalho sexual e alguns grupos feministas e de mulheres vivendo com HIV/AIDS reivindicaram respostas sobre a compra do preservativo feminino, mas não houve retorno.

As TS são protagonistas da efetividade do preservativo interno como uma estratégia de prevenção, pois elas tanto disseminam informações e conhecimentos, como fazem do insumo um prazeroso aliado da sua profissão. Elas ressaltaram a importância do preservativo interno, pois possibilita-lhes maior controle na prevenção e no poder de negociação. Algumas TS contam que até agora tiveram poucos relatos sobre possíveis problemas com o preservativo interno de látex, falam que suas colegas estão se acostumando com o novo e até acham interessante a batizada “esponjinha”. Outras, a maioria com quem conversei, reclamaram desse preservativo interno. Diana diz: Esse da esponjinha, Lis, é horrível! É uma violência conosco. Eu duvido que uma mulher que use aquele preservativo continue com saúde depois. É uma esponja, mulher?. Nesse sentido, ainda é uma reivindicação das redes nacionais que o preservativo interno de borracha nitrílica possa voltar a protagonizar as compras governamentais, bem como ações de educação e informação possam voltar a ser realizadas de forma efetiva e contínua. Contudo, as TS continuam fazendo o que sempre fizeram: levando informações e distribuindo o preservativo interno, visto que para elas esse insumo é de extrema importância para a prevenção e para sua profissão.

A PEP existe desde a década de 90 e compõe as “novas” estratégias da Prevenção Combinada, fundamentalmente pela mudança em sua indicação e pela nova recomendação de antirretrovirais[7]. Desde então há um único esquema de antirretrovirais para todos os tipos de acidentes unificando a PEP nos serviços de saúde. Os dados apresentados no site do Ministério da Saúde apresentam um aumento do quantitativo de dispensação da PEP, o que indica que essa estratégia tem sido importante para o enfrentamento do HIV[8]. As TS falam muito sobre a importância do uso da PEP, elas contam com essa tecnologia como aliada caso aconteça alguma situação de risco, uma urgência! Vânia Rezende, coordenadora da Associação Pernambucana de Profissionais do Sexo (APPS) e integrante da RBP pontua que já ouviu muitas histórias de cliente tirar o preservativo sem a TS perceber, é um acidente de trabalho! Com a PEP, as TS têm chance de não se infectar.

Ao mesmo tempo, algumas delas reclamaram da dificuldade de acessar o tratamento à PEP e, também, de procedimentos preconceituosos em alguns postos de saúde, ao demandarem o uso da PEP por terem passado por algum risco durante o trabalho sexual. Infelizmente, acontecem atitudes moralistas em relação às TS e ao trabalho sexual. Nessa análise não é possível minimizar o quanto as trabalhadoras sexuais vivenciam diferentes formas de violências, principalmente por exercerem o trabalho sexual, as quais resultam em barreiras comportamentais impeditivas do acesso ao Sistema Único de Saúde. Ainda há a dificuldade dos horários dos serviços de saúde, que funcionam no famoso horário comercial imposssibilitando horários alternativos e mais adequados para quem realiza o trabalho sexual. Todas essas vulnerabilidades relacionadas às suas dinâmicas específicas precisam ser abordadas e respeitadas. Luza Silva ainda observa que há muitas TS com dificuldades financeiras, o que dificulta sua visita a um serviço de saúde de referência, pois a PEP não está disponível em todos os serviços de saúde. Ela exclama: São coisas para pensar!

Nenhum resultado foi apresentado. Estamos em 2020 e pouco foi realizado pelo Governo Federal sobre a Prevenção Combinada para as TS, em especial, sobre a PrEP. Entretanto, as TS continuaram fazendo seu trabalho, que nunca parou, mesmo com pouco ou nenhum apoio

A PrEP[9] é a ferramenta da Prevenção Combinada apresentada como a mais nova e mais polêmica. Ela foi lançada no Brasil em 2017 e levou um tempo para que as pessoas de todas as regiões do país pudessem acessar. A PrEP é indicada para populações em situação de maior vulnerabilidade e que tenham práticas de risco acrescido de infecção pelo HIV, entre elas, as TS. Desde o início era evidente a necessidade de estimular o conhecimento e o acesso das TS à PrEP. Naquele tempo, eu trabalhava no antigo DIAHV e como assessora técnica responsável pelo tema do trabalho sexual insistia que era preciso falar com elas sobre elas e a PrEP! Em março de 2018 foi realizada uma oficina de comunicação em saúde, revisitando a concepção de uma construção coletiva e pensada com/para/de as pessoas[10]. Infelizmente, o trabalho e seus resultados foram engavetados. Em dezembro do mesmo ano ocorreu uma reunião técnica entre o Departamento e algumas representantes das Redes, numa tentativa de alinhar ações da “Agenda Estratégica”. Porém, nenhum resultado foi apresentado. Estamos em 2020 e pouco foi realizado pelo Governo Federal sobre a Prevenção Combinada para as TS, em especial, sobre a PrEP. Entretanto, as TS continuaram fazendo seu trabalho, que nunca parou, mesmo com pouco ou nenhum apoio. Apesar de todos seus esforços existe uma unanimidade entre elas, a PrEP não é bem aceita pelas TS. De fato, uma afirmação preocupante e que precisamos contextualizar e debater. Vejamos alguns depoimentos:

Eu acho que a PrEP não deveria ter tanta burocracia e tantas fases. Deveria ser uma coisa mais rápida, para que as TS pudessem aderir. Vai hoje, faz exame, dali um tempo tem que ir no psicólogo, outros exames e mais conversa e só daí toma os remédios. Tinha que diminuir essa função. Essa história de ir muito nas consultas e exames. As mulheres precisam estar nas zonas de prostituição, elas não podem perder tanto tempo aguardando atendimentos. Tinha que ser uma coisa mais rápida: fez exame, toma remédio e vai adiante. A mulher que faz programa, ela precisa estar no ponto, Lis, ela tem que esperar o cliente. Ela não pode ficar saindo todo tempo. Elas precisam fazer seu salário para o mês, pois não é como quem tem o salário garantido. Tu vai às 8h e sai às 13h, daqui a pouco passa outra tarde. Não é que não queira, mas ela tem necessidade de trabalhar porque muitas delas são quem sustentam suas famílias, as pessoas dependem do que ela ganha. Ela não pode dar mole de ir para cá e para lá. Isso é complicado! (Carmem Costa).

 

A PrEP não está sendo bem aceita, não. Desde que ela foi implantada a gente divulga, falamos para elas que temos mais uma forma de prevenção. Nós falamos o que é a PrEP e como ela pode acessar, mas quando a gente diz que que só previne o HIV e que elas precisam continuar usando o preservativo para as outras IST, elas dizem que não querem, pois já usam o preservativo. Elas não querem fazer uso de um medicamento e continuar usando o preservativo do mesmo jeito. Elas dizem: “deixa que eu continuo usando o preservativo do mesmo jeito que eu já faço. Caso tenha algum comportamento de risco, eu uso a PEP”. A gente divulga, mas não dá pra obrigar. Não é falta de conhecimento, mas elas não estão procurando. (Luza Silva).

 

Pra que nós vamos usar? Melhor continuar usando a camisinha do que nos entupir de medicamentos. Se existe o preservativo pra que nos arriscar a ter mais problemas de saúde com isso? Essa é a visão que algumas delas têm. (...) Se tu acha que tem alguma coisa de bom pra nós com a PrEP, no trabalho, tu me explica aí, Lis. (Diana Soares).

Os relatos acima nos mostram o quanto ainda é preciso visibilizar e discutir sobre a PrEP com as TS. Certamente, os pontos apresentados são de extrema importância e devem ser respeitados, mas, ao mesmo tempo, precisamos contextualizar esses relatos e compreender suas experiências e uma rotina de práticas excludentes e de estigma que elas vivenciam junto aos serviços de saúde em razão da atividade no trabalho sexual.

quando a gente diz que que só previne o HIV e que elas precisam continuar usando o preservativo para as outras IST, elas dizem que não querem, pois já usam o preservativo.

Como já referido, desde a inserção da profilaxia no SUS não houve um empenho específico do Governo Federal para promover ações e informações de aproximação deste grupo à PrEP. Não há recomendações programáticas específicas sobre a PrEP dirigidas às TS! Justamente por não haver informações mais precisas quanto à organização do fluxo de acesso à PrEP existe uma enorme fragilidade na maneira de traduzir essa tecnologia de prevenção. É preciso construir conjuntamente a melhor maneira de informar e de compartilhar as informações, realizar um trabalho de educação entre pares, uma escuta, desconstruir mitos e equívocos, adequando aos contextos e às dinâmicas do trabalho sexual. E, ao mesmo tempo, pautar questões que lhe são importantes, como as apresentadas em seus depoimentos. A apropriação da informação é um caminho para mudanças de atitudes.

Importante ressaltar que o PCDT (2018) apresenta um protocolo onde estabelece parâmetros para o acesso à PrEP desde a consulta de triagem até a dispensação dos medicamentos e acompanhamento. As pessoas candidatas à PrEP depois da primeira consulta precisam de uma nova consulta (em até duas semanas) para verificação de resultados dos exames e para a prescrição da PrEP. As consultas trimestrais são obrigatórias para quem faz uso da PrEP. O que pode acontecer em alguns lugares é a sobrecarga de serviços de PrEP.

É relevante a preocupação das TS com os possíveis efeitos colaterais, compreendidos como impeditivos da rotina do trabalho sexual. Entretanto, possíveis efeitos secundários com o uso do método de prevenção são apresentados como menores nos vários estudos nacionais e internacionais. Inclusive, dados do site do Ministério da Saúde indicam que apenas 32% de pessoas usuárias da PrEP apresentaram algum evento adverso nos primeiros 30 dias, sendo eles dor de estômago, náusea, perda de apetite e uma leve dor de cabeça.

Algumas TS também afirmaram que existe o problema de que algumas vezes foi criada a demanda do uso da PrEP, mas quando chegaram no serviço de Saúde receberam como resposta a impossibilidade de fazer seu uso, pois o serviço havia atingido seu limite de atendimento, o que acabava por desestimular aquelas que queriam usar a PrEP. Além disso, a PrEP não está disponível em todas as cidades, o que dificulta para aquelas que moram longe e não têm condições financeiras de se deslocar para frequentar o serviço de referência para realizar todas as etapas necessárias para o uso da PrEP. Essas dificuldades são desestimuladoras e prejudicam a efetivação do uso da PrEP.

Aqui no Recife, faltam lugares para fazer a PEP e a PrEP. São poucos os lugares que as TS podem acessar. Então está disponível, mas não completamente. (Vânia Rezende)

 

Precisa aumentar a disponibilidade da PrEP nos serviços de saúde. Aqui mesmo (Teresina) só tem num lugar e sempre tá cheio de gente. Tu sabe como é prostituta. Muito agoniada. Ela chegou e quer ser logo atendida. Fica desconfiada de como será atendida. A divulgação é pouca, a informação também. Tudo só dificulta. Falta articulação. (Célia Gomes)

As TS têm o direito de serem informadas e de acessarem todas as estratégias de prevenção do HIV, realizando suas escolhas e gerenciando seus riscos. Vejamos, algumas alternativas para o fortalecimento do acesso à PrEP com as TS. Primeiramente, retomar financiamentos e iniciativas de educação comunitária e elaboração de abordagens que facilitem o acesso à PrEP voltadas especificamente para as trabalhadoras sexuais; realizar pesquisas de conhecimento; promover um amplo acesso à PrEP; aumentar a cobertura de serviços e investir em teleconsultas, que contribuiriam na diminuição do tempo nos serviços de saúde e na experiência de possíveis atitudes discriminatórias.

Prevenção Combinada para quem? A luta continua
Para a prevenção combinada ter êxito é importante um esforço integrado e coletivo entre gestores, profissionais de saúde e a população. Além disso, para que a PrEP seja conhecida e utilizada por mais TS, a rede de saúde precisa remover as barreiras de acesso, acolhendo-as na sua integralidade e garantindo seus direitos à saúde de qualidade. Na promoção da saúde das TS é preciso enfrentar o estigma e a discriminação da sua profissão e levar em conta suas rotinas, especificidades e suas práticas de gerenciamento de riscos. Portanto, a integração entre as intervenções biomédicas e as comportamentais deve resultar em maiores benefícios e em uma maneira mais humana de enfrentar o HIV.

Para um tema de saúde complexo como a epidemia do HIV e da Aids é necessário que as diferentes inovações sejam combinadas e abordadas nos contextos de vida das pessoas. É preciso escutar, respeitar a ciência e a população e construir conjuntamente a promoção da saúde pública no Brasil. Para tanto, as TS precisam ser escutadas e protagonizarem sua prevenção do HIV. As TS reivindicam o retorno de uma agenda programática e com ações específicas e afirmativas para sua população! A Prevenção Combinada do HIV também deve ser para elas, pois as TS têm o direito de combinar a prevenção. As lutas continuam!

 

Referências Bibliográficas

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção Combinada do HIV: Bases conceituais para profissionais, trabalhadores (as) e gestoras (as) de saúde. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Brasília, 2017.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Profilaxia Pré Exposição (PrEP) de risco a infecção pelo HIV (PCDT). Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Brasília, 2018.

PASINI, Elisiane. Não ao preservativo interno/vaginal de látex. Publicado em www.viomundo.com.br. 08 de outubro, 2019.

PASINI, Elisiane. Pedagogia da prevenção: o preservativo interno (conhecido como feminino). IN: LEITE, Vanessa; TERTO Jr., Veriano; PARKER, Richard (Orgs). Respostas a? AIDS no Brasil: aprimorando o debate III [livro eletrônico]. Rio de Janeiro, Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS – ABIA, 2020.

 

[1] Em 2019 o Departamento mudou de nomenclatura, atualmente se chama Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI). Entretanto, por respeito a história e por desacordo a mudança, eu chamarei pelo antigo nome.

[2] Todos os depoimentos das trabalhadoras sexuais foram realizados por whastapp entre os dias 26 e 31 de agosto e todas elas permitiram o uso das suas falas. Todas as falas das trabalhadoras sexuais estarão grafadas em itálico no texto.

[3] Importante pontuar a inicitiva do “Viva Melhor Sabendo”, que começou em 2014 com ações nos territórios e usando a metodologia da educação em pares para dialogar com as populações mais afetadas pelo HIV ampliando conhecimentos e atividades de Prevenção Combinada. Certamente esta foi (e continua sendo) uma boa estratégia para estar mais perto das ONGs e das TS.

[4] Atualmente, várias associações, movimentos e especialistas no tema têm usado o termo preservativo interno e não mais feminino. Inclusive, desde 2018, nos EUA, o termo já é reconhecido oficialmente. Na França e em Portugal, associações que atuam com o enfrentamento do HIV/Aids também usam o nome de preservativo interno e buscam oficializar o termo. Para ver mais detalhes acessar Pasini, 2020.

[5] O Preservativo Interno pode ser (e é) usado tanto por mulheres cisgênero, como por homens trans. Entretanto, na prática, muitas pessoas também usam o insumo interno para o sexo anal, o qual ainda não é indicado pelo Ministério da Saúde.

[6] Ver mais detalhes em Pasini, 2019/2020 e nas Redes Sociais do Movimento Primavera Feminista.

[7] O “Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Profilaxia Antirretroviral Pós Exposição de Risco à Infecção pelo HIV” extinguiu a diferenciação entre categorias de PEP (primeiramente, foi implementada para casos de acidentes de trabalho com profissionais de saúde ou para vítimas de violência sexual) e organizou a recomendação com um único esquema de antirretrovirais para todos os tipos de acidentes. Este Protocolo, que teve como principal objetivo atualizar as recomendações quanto ao emprego de antirretrovirais para a PEP ao HIV foi escrito em 2015 e atualizado no ano de 2017.

[8] Ver mais detalhes em http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/pep-profilaxia-pos-exposicao-ao-hiv-prevencao-combinada/painel-pep

[9] A PrEP consiste no uso preventivo de medicamentos antirretrovirais antes da exposição ao vírus, para reduzir a probabilidade de infecção pelo HIV. O objetivo da PrEP é prevenir a infecção pelo HIV e promover uma vida sexual mais saudável. Portanto, ela deverá ser combinada com outros métodos de prevenção, como o preservativo externo ou o interno, os quais protegem contra as demais IST.

[10] Comunicação em saúde?utiliza técnicas de comunicação para promover a saúde. Acredita-se que as informações devem ser construídas com as pessoas e não para elas, realizando uma escuta cuidadosa para entender suas concepções e práticas.

“Vozes da Prostituição”, por Elisiane Pasini
Elisiane Pasini é Doutora em Antropologia e ativista feminista. Consultora no antigo Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais (DIAHV)/Ministério da Saúde (MS) durante os anos de 2012 a 2018. Perita Júnior Local do Projeto “Apoio aos Diálogos Setoriais UE-Brasil - Fase IV” coordenado pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) e pela União Europeia (UE), no ano de 2019.


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