Gerson Pereira: “Todas as pessoas com HIV estão contempladas na vacinação contra a covid-19”

O diretor do DCCI, Gerson Fernando Mendes Pereira

Em resposta a uma pergunta do Fórum ONG AIDS RS, o diretor do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) do Ministério da Saúde, Gerson Fernando Mendes Pereira, afirma que todas as pessoas vivendo com HIV tomarão a vacina contra a covid-19. Em outra resposta, anuncia a formulação de um Acordo de Cooperação Técnica entre o MS e o Ministério da Cidadania (MC), por meio da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS).

Aos 60 anos, Gerson Fernando Mendes Pereira é, desde 2019, diretor do DCCI, subordinado à Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS). O médico, nascido em 1960 no Piauí – um dos mais pobres dos estados brasileiros –, formou-se em 1983, especializou-se em Saúde Pública (1985) e Epidemiologia (1988), é mestre em Epidemiologia (1999) e doutor em Saúde Coletiva (2018); está no quadro de servidores do MS desde 1984, há 36 anos.

Nesta entrevista, concedida por e-mail, o gestor federal das políticas de prevenção, controle e tratamento das infecções sexualmente transmissíveis (IST), do HIV/aids, das hepatites virais, da tuberculose e da hanseníase responde a 16 perguntas de Saúde Pulsando e àquelas pedidas a organizações e a fóruns estaduais de ONG/aids, às quatro redes de pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA) e do representante da Anaids no Conselho Nacional de Saúde. Confira a seguir a entrevista na íntegra.

Por Paulo Giacomini

 

RNP+BRASILDiante da segunda onda de COVID-19 e do agravamento da pandemia, o DCCI vai repensar sua total falta de apoio com recurso emergencial para compra de cestas básicas e kits de higiene/limpeza/máscaras de tecido para as PVHA?

Gerson Fernando Mendes Pereira – No âmbito da seguridade social, a responsabilidade pelo desenvolvimento de ações relacionadas à proteção social das pessoas em situação de vulnerabilidade está sob a governança do Ministério da Cidadania (MC). Diante do agravamento da situação econômica e social que assolou o Brasil em decorrência da covid-19 e das consequências da pandemia nas populações em situação de maior vulnerabilidade atingidas pelo HIV, hepatites virais, hanseníase e tuberculose, o DCCI está trabalhando na formulação de um Acordo de Cooperação Técnica que tem como objetivo estabelecer a articulação entre a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS/MC) e a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) para o planejamento, monitoramento, execução e avaliação de ações relacionadas à inclusão social dessas populações.

As dimensões dessa parceria visam: 1) estabelecer as diretrizes conjuntas de atuação da rede socioassistencial e da saúde para as ações de enfrentamento do HIV, hepatites virais, hanseníase e tuberculose e de prevenção da sífilis congênita; 2) sensibilizar os profissionais da saúde para o encaminhamento das pessoas em situação de vulnerabilidade social para avaliação no SUAS; 3) instrumentalizar os profissionais da assistência para o desenvolvimento de ações de promoção da saúde e enfrentamento do estigma e discriminação das pessoas com HIV, hepatites virais, hanseníase e tuberculose em situação de vulnerabilidade social; 4) instrumentalizar a gestão e sociedade civil para o desenvolvimento de ações de advocacy; e 5) qualificar as políticas públicas relacionadas à proteção social das pessoas em situação de vulnerabilidade social.

 

MNCPO que o DCCI está promovendo para as MVHA? No que se refere aos comitês de assistência social, saúde mental e para saúde integral, eles estão funcionando?

GFMP – O Acordo de Cooperação Técnica que está em processo de pactuação com a SNAS/MC, descrito na resposta anterior, estabelece como diretriz a sensibilização de gestores estaduais e municipais da assistência social e da saúde para o estabelecimento de fóruns de articulação entre a assistência social e a saúde, incluindo a participação de representação da sociedade civil, para o aprimoramento das ações colaborativas no território, com foco nas pessoas em situação de vulnerabilidade social com HIV, hepatites virais, hanseníase e tuberculose e na prevenção da sífilis congênita.

 

RNAJVHAComo o DCCI tem trabalhado e atuado para alcançar a juventude no que diz respeito a prevenção combinada, tendo em vista que não tivemos campanhas de sensibilização na mídia no último 1° de dezembro, uma das únicas portas de alcance desse público.

GFMP – O DCCI realizou, no segundo semestre de 2020, dois webinários com foco em juventudes. O primeiro aconteceu em 19 de novembro e teve como objetivo debater as mais recentes evidências científicas disponíveis no campo do HIV e outras IST dirigidas às juventudes. O evento contou com a apresentação de pesquisadores e especialistas em juventudes e HIV, e foram apresentados dados relacionados à incidência do HIV em jovens e os fatores associados à maior exposição ao HIV. Nesse webinário, também se apresentaram dados da pesquisa PrEP1519, um estudo inédito no Brasil, que analisa a oferta de PrEP para jovens com idade entre 15 e 19 anos e a aceitabilidade das estratégias de prevenção combinada, incluindo a distribuição de autoteste e abordagens de comunicação e educação entre pares com foco na saúde sexual. Além disso, foram apresentados dados relacionados à oferta de ações de prevenção combinada com foco em jovens gays e trans, com o intuito de observar aspectos relacionados à adesão às estratégias disponíveis, gerenciamento de risco e vulnerabilidades e acesso aos serviços e programas de HIV no SUS.

O segundo webinário, realizado em 26 de novembro, contou com a apresentação de jovens ativistas, no qual foram abordadas questões sobre protagonismo juvenil na resposta brasileira ao HIV. No evento, debateu-se a importância de investir em intervenções de base comunitária para alcançar as juventudes; nesse sentido, foi apresentada a experiência do projeto #BoraSaber, que visa ofertar ações de prevenção combinada para migrantes e refugiados venezuelanos pertencentes às populações de jovens gays e trans. Nesse webinário, também se apresentaram os desafios associados às políticas de prevenção ao HIV e a importância de discutir as condições de acesso e cuidado dirigidas às juventudes no âmbito do SUS. Ademais, foram contextualizadas informações relacionadas à importância de investir em ações de enfrentamento ao estigma e discriminação às pessoas vivendo com HIV e de fomentar ações que visem abordar as vulnerabilidades e o racismo institucional relacionado às juventudes.

O DCCI também apoiou projetos em parceria com agências do sistema ONU, visando a oferta de ações de prevenção combinada e o cuidado contínuo de adolescentes e jovens vivendo com HIV. Nesse sentido, o DCCI apoiou seis projetos em parceria com o UNICEF, denominados “Viva Melhor Sabendo Jovem”, realizados nos municípios de Fortaleza, Boa Vista, Manaus, Vitória, Salvador e São Paulo. Também se realizaram oficinas de apoio técnico para capacitação das equipes que atuaram nos três projetos do #BoraSaber, desenvolvido em parceria com o UNFPA nos municípios de Porto Alegre, Boa Vista e Belém. Esses projetos, além de promoverem ações de prevenção combinada no território, reforçam o papel estratégico do DCCI na oferta de apoio técnico à toda a retaguarda do SUS no que se refere às políticas públicas de enfrentamento ao HIV.

Em dezembro de 2020, o DCCI publicou chamada pública em parceria com o PNUD para selecionar projetos para atuação no âmbito da estratégia “Viva Melhor Sabendo”. Nesse sentido, cabe destacar que a juventude é uma população-alvo da estratégia e que, nos projetos anteriores, a maior proporção de pessoas alcançadas nas intervenções pertencia à faixa etária de 15 a 29 anos. Também se ressalta que os projetos subsidiam diversas intervenções de base comunitária nos territórios, visando qualificar as ações de acolhimento, ampliação do acesso e cuidado integral com foco nas juventudes, assim como propiciam articulações estratégicas para estabelecer a intersetorialidade com educação, assistência social e direitos humanos.

Também cabe mencionar que estão em curso negociações com a UNESCO para assinatura de um projeto voltado exclusivamente para a população jovem, com vistas a fortalecer a resposta para esse segmento populacional.

Por fim, é importante destacar que o DCCI está em fase final de validação de um curso EaD para juventudes que aborda as dimensões comportamentais, estruturais e biomédicas relacionadas à prevenção combinada, adaptado à linguagem do jovem. Esse curso é fruto de um trabalho contínuo do DCCI por meio de agendas estratégicas, como as oficinas de prevenção combinada com jovens e as maratonas Hackathon.

 

RNTTHP+A grande maioria das travestis e transexuais que vivem e convivem com HIV/aids têm silicone industrializado. Como está o atendimento para pessoas trans vivendo com HIV nesta questão, relacionada aos ARV? Os ambulatórios para saúde integral das pessoas trans têm trabalhado a relação silicone industrializado e antirretrovirais? Qual a diretriz nacional? Os estados e municípios têm implementado ambulatórios para saúde integral das pessoas trans?

GFMP – Em 2017, o DCCI publicou o documento “Diretrizes para Organização do CTA no âmbito da Prevenção Combinada e nas Redes de Atenção da Saúde”, que orienta o apoio matricial para a Atenção Primária no fortalecimento das respostas às IST, ao HIV/aids e às hepatites virais. A Atenção Primária é a coordenadora do cuidado, em uma lógica compartilhada com os serviços especializados, de acordo com as realidades territoriais. O DCCI tem trabalhado para produzir conhecimento sobre estratégias de redução de riscos e danos em relação às IST, ao HIV/aids e às hepatites virais para pessoas que usam silicone industrial e hormônios. Essa ação é garantida e preconizada pela Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais do Ministério da Saúde, que, em seus objetivos específicos, dispõe: “Art. 2º: [...] VIII – reduzir danos à saúde da população LGBT no que diz respeito ao uso excessivo de medicamentos, drogas e fármacos, especialmente para travestis e transexuais; [...]”.

Nesse sentido, o DCCI trabalha em plena articulação com gestores estaduais, distritais e municipais na rede de serviços para que sejam observadas as especificidades de cada população e, com isso, sejam priorizadas ações de prevenção, diagnóstico e cuidado integral ao HIV/aids, outras IST e hepatites virais dirigidas às populações-chave. Como exemplo disso, foi lançada em 2019 a “Agenda Estratégica para ampliação do cuidado e acesso integral das populações-chave em HIV, hepatites virais e outras infecções sexualmente transmissíveis”. Além disso, foi publicado, ainda em 2019, o documento “Homens Trans: vamos falar sobre prevenção das Infecções Sexualmente Transmissíveis?”.

Em 2020, o DCCI realizou uma reunião técnica conjunta sobre saúde, trabalho, direitos e inclusão social da população trans, com a participação do UNAIDS, UNFPA, OPAS/OMS, ONU MULHERES e OIT, além da Campanha da ONU “Livres & Iguais”. A atividade reuniu profissionais de saúde, gestoras e gestores de políticas públicas, representantes da sociedade civil e da academia e organizações internacionais para compartilhar políticas e boas práticas no que se refere à promoção da saúde integral para a população trans no Brasil e sua correlação com a inclusão social e o acesso a direitos. Foram debatidos temas relacionados à resposta à epidemia de IST nessa população, o uso abusivo de álcool e outras drogas e a saúde sexual e reprodutiva da população trans, incluindo a hormonização, as cirurgias de modificação corporal e o uso do silicone industrial.

Os Ambulatórios de Saúde Integral para Travestis e Transexuais são gerenciados pela Rede de Atenção Primária à Saúde, e contam com o apoio técnico deste DCCI, sobretudo no que se refere à prevenção, testagem, diagnóstico e tratamento relativos ao HIV e outras IST. Também contam com o apoio das coordenações estaduais e municipais, em articulação com serviços locais especializados e de referência em HIV/Aids. Como população-chave no cenário epidemiológico do HIV no Brasil, as pessoas trans são centrais nas ações estratégicas do DCCI. Um exemplo é a citada estratégia “Viva Melhor Sabendo”, que consiste na testagem por pares utilizando teste rápido por amostra de fluido oral. Outra ação que engloba essa população é o apoio dado por meio do edital recém lançado para projetos de ações de base comunitária e educação em saúde, com resultados no campo da vigilância em saúde, ênfase na promoção da saúde e prevenção e controle dos diferentes agravos do DCCI. Dentre as 35 instituições que receberão fomento, 26 realizarão ações específicas para a população trans, e muitas delas serão desenvolvidas por associações LGBT e trans.

Considerando o contexto da covid-19 e as necessárias medidas de prevenção, o DCCI promoveu o webinário “Fatores associados às altas prevalências de HIV e outras IST em travestis e mulheres transexuais” para tratar dos resultados de pesquisas sobre os fatores associados à infecção por HIV entre a população travesti e trans. O webinário aconteceu no último dia 27 de janeiro de 2021 e contou com a presença de pesquisadores e teve a participação de gestores, trabalhadores(as) da saúde e sociedade civil.

 

FOAESP / GIVEm abril de 2020 o Canadá aprovou o Cabenuva. Em meados de outubro a EMA – Agência Europeia de Medicamentos – recomendou a concessão de autorizações para introdução da rilpivirina + cabotegravir na União Europeia. Quando o Brasil poderá ter acesso a esse tratamento com injeções mensal ou bimestralmente?

GFMP – Em nossa gestão, dizemos sempre que os pacientes terão o melhor tratamento que existe no mundo. Isso é um compromisso desta gestão. Os referidos medicamentos foram recentemente aprovados pelo FDA, a Anvisa americana. Ainda não estão aprovados pela Anvisa brasileira, mas logo que o forem, levaremos o tema à Conitec para discussão da sua viabilidade técnica no Brasil.

 

FOAESPAlém dos trâmites na Conitec para a incorporação de novos medicamentos antirretrovirais no SUS, há algum outro fator que tenha impedido de o Brasil já ter disponibilizado o tenofovir anafelamida (TAF), por exemplo, entre outros, menos tóxicos? Nós temos um excelente tratamento com o dolutegravir, mas ele também já é motivo de algumas queixas.

GFMP – A alteração e a incorporação de novos medicamentos aos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas passam por diversos processos, como revisão de literatura, reunião com o grupo de especialistas assessores, análise e aprovação pela Conitec e consulta popular. Atualmente, contamos com o esquema de primeira linha composto pelo tenofovir, lamivudina e dolutegravir. Estes são antirretrovirais muito bons, tendo o dolutegravir alta barreira genética e baixos efeitos adversos, o que é fundamental para o seguimento e alcance da carga viral indetectável, objetivo do tratamento. O TAF foi aprovado pela Anvisa para hepatite B em adultos com doença hepática compensada, e está em análise a sua incorporação ao SUS.

 

MNCPMuito tem se falado da vacina para a covid-19. Os antirretrovirais são feitos sem se pensar em corpos femininos. O DCCI tem acompanhado a formulação dessa vacina para covid-19 no Brasil? As PVHA têm sido pensadas nesse processo? Se uma PVHA tiver o número de células CD4 muito baixo, poderá ser imunizada?

GFMP – No processo de definição de grupos prioritários, as pessoas vivendo com HIV foram incluídas. Primeiramente, serão contempladas aquelas com menor contagem de linfócitos T CD4 e, posteriormente, aquelas que já estão controladas. As duas vacinas aprovadas no Brasil não são compostas de vírus vivos; portanto, imunossuprimidos não terão contraindicação para receber o imunizante.

 

FOARSTendo em vista a MP 1026/2021, que determina que os critérios para aplicação das vacinas para Covid-19 deverão observar o PNOV, que pode ser modificado a qualquer momento, como podemos garantir que as pessoas afetadas pelos agravos, constantes do DCCI, tenham o atendimento garantido, no tempo mais oportuno?

GFMP – Todas as pessoas vivendo com HIV estão contempladas no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, disponível no link http://www.saude.pi.gov.br/uploads/warning_document/file/641/Plano_Nacional_de_Vacina%C3%A7%C3%A3o_Covid19.pdf

 

Saúde PulsandoMuito se fala sobre um suposto silenciamento, de um movimento que vem paulatinamente negando a aids, que parte do Unaids e da GNP+, que tirou a palavra aids de seu nome. Esta crítica está ligada a uma substituição do termo pessoa vivendo com HIV e aids por pessoa vivendo com HIV, a que o Brasil aderiu prontamente, mas também ao apagamento da palavra aids do nome do Departamento. Em entrevista a Saúde Pulsando, a Dra. Mariângela Batista Simão Galvão diz não acreditar em um complô pra tirar a aids da agenda. O senhor está entre os que acreditam que é hora de desmistificar a aids sublinhando a força do HIV e sua prevenção?

GFMP – Em 2019, o Ministério da Saúde passou por uma importante reestruturação de seu arcabouço organizacional. Um dos intuitos da reestruturação foi a união do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais com os programas nacionais de tuberculose e de hanseníase. Essa união resultou não só na qualificação das informações sobre coinfecção TB/HIV, mas também na melhoria das estratégias para redução da mortalidade por aids do País, uma vez que a tuberculose é a principal causa de morte entre pessoas vivendo com aids no Brasil. A alteração da nomenclatura do departamento foi necessária para que todos os agravos sob sua coordenação pudessem ser contemplados. Enfatizamos que as ações de enfrentamento ao HIV seguem sólidas e prioritárias.

O fato de o termo “pessoas vivendo com HIV e aids” ter sido substituído por “pessoas vivendo com HIV” não é uma negação da aids. A expressão “pessoas vivendo com HIV” engloba também as pessoas que vivem com aids.

 

Saúde PulsandoO inciso I do Artigo 38 do Decreto 9795, de 17 de maio de 2019, diz que ao DCCI compete “propor a formulação e a implementação de políticas, diretrizes e projetos estratégicos no que se refere à: a) promoção das ações de vigilância, de prevenção, de assistência e de garantia do direito à saúde das populações vulneráveis e das pessoas com HIV/Aids; e b) promoção e fortalecimento da integração com as organizações da sociedade civil, nos assuntos relacionados às infecções sexualmente transmissíveis e ao HIV/Aids”.

Salvo engano, foi enquanto o Dr. Dirceu Greco era diretor do então Programa Nacional de DST/Aids que foram fundidas as áreas técnicas de prevenção ao HIV e articulação com a sociedade civil.

Frequentemente as três redes de prostitutas reclamam das estratégias de PrEP pra elas, além dos preservativos internos, que elas preferem o de borracha nitrílica. Elas também reclamam que não têm mais voz no DCCI porque não há quem as escute. Algumas trans disseram que a única trans que trabalhava no departamento “não aguentou a pressão”.

Não está na hora de rever se a prevenção e a articulação com a sociedade civil têm de permanecer juntas, sob uma mesma coordenação?

GFMP – É importante abordarmos essas questões considerando que este DCCI possui longo histórico de diálogo e construção de respostas com a sociedade civil. Nessa trajetória, aconteceram diversas mudanças de gestores e de prioridades, mas o compromisso com suas competências e responsabilidades sempre foi mantido.

O Ministério da Saúde vem monitorando continuamente o cuidado às pessoas vivendo com HIV (PVHIV) e as outras populações em situação de maior vulnerabilidade aos nossos agravos, tendo em vista a pandemia de covid-19 e o risco aumentado à saúde que ela representa, além de seus impactos nos territórios quanto à prevenção, testagem, diagnóstico e tratamento. Informações sobre esse monitoramento podem ser acessadas em: http://www.aids.gov.br/pt-br/painelcovidHIV

Entre as prioridades do DCCI, está a redução da mortalidade das PVHIV e a ampliação do acesso às ações de promoção da saúde e prevenção às populações em situação de maior vulnerabilidade, atuando como indutor das políticas de enfrentamento às doenças de condições crônicas e às IST junto aos estados, municípios e sociedade civil.

Em relação ao que foi pontuado, não procede de forma alguma a informação de que as trabalhadoras do sexo ou qualquer outro segmento populacional não tenham escuta neste DCCI. Sempre mantivemos um diálogo aberto com os movimentos sociais, apesar do adiamento de algumas agendas previstas, em decorrência das medidas sanitárias de prevenção à covid-19. Ainda assim, foram realizadas agendas virtuais promovendo ações com vistas a fortalecer os movimentos e a sociedade civil nos territórios, pontuadas a seguir:

  • Acompanhamento técnico contínuo junto às OSC que tiveram propostas aprovadas em Edital ou Chamamentos Públicos promovidos por este DCCI;
  • Na Chamada Pública IPA 1629/2020 – Unesco, tivemos 35 propostas aprovadas, com foco nas populações-chave e prioritárias para o HIV/aids, outras IST e doenças de condições crônicas. Dessas, três propostas estão diretamente relacionadas às trabalhadoras do sexo e serão desenvolvidas pelas respectivas associações; outras 11 propostas são compostas por ações junto a esse segmento e serão desenvolvidas por outras associações comunitárias parceiras nas cinco regiões do país;
  • O preservativo feminino (vaginal) compõe a estratégia de prevenção combinada, além de representar vantagens adicionais no âmbito da política de saúde voltada às mulheres. A boa aceitação dos preservativos femininos (vaginais) pelas mulheres é uma preocupação do Ministério da Saúde; portanto, a estimativa de necessidades de cada item, de acordo com os materiais ofertados pelo mercado e com registro vigente na Anvisa, é elaborada levando-se em consideração as demandas desses produtos segundo informadas pelos estados e municípios capitais, por meio do Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM – PREV). No último pregão realizado, as empresas podiam ofertar em dois itens: item 1) 20 milhões de unidades para poliuretano OU látex OU borracha nitrílica; e item 2) 20 milhões de unidades para poliuretano OU borracha nitrílica. As empresas participaram e foram registrados em Ata de Registro de Preço 20 milhões de preservativos de látex e 20 milhões de preservativos de borracha nitrílica. As distribuições estão ocorrendo;
  • Consta no planejamento do DCCI e está em fase de construção o “Guia de Prevenção Combinada com foco no cuidado e saúde integral das mulheres”, que tem por objetivo apresentar uma abordagem que fortaleça as respostas no âmbito da prevenção ao HIV/aids, sífilis, hepatites virais e outras IST, além da transmissão vertical do HIV, considerando os ciclos de vida e as mais diversas condições de saúde das mulheres.

 

RNP+CEARÁA RNP+ Ceará enviou ofício ao DCCI em 13 de dezembro de 2020, no qual falava de falta do ARV (kaletra 1/2 dose, para crianças) e estoque baixo de mais três medicamentos que já estavam sendo entregues para apenas 30 dias. Isso vai contra comunicado aos estados e municípios do próprio DCCI e a resposta ainda não chegou até hoje, 12 de janeiro de 2021. É essa a parceria com o movimento social, especialmente com as redes de PVHA? E ainda gostaria que o Diretor informasse a RNP+ Ceara a quem devemos procurar quando da falta de medicamentos nos estados, já que essa resposta foi negada pelo DCCI. Seria ao presidente da República?

GFMP – O DCCI reitera que não há e não houve falta de nenhum medicamento antirretroviral. O ofício enviado pela RNP+CE foi respondido em 21 de dezembro de 2020, conforme nossos registros (o e-mail está anexo) e todas as informações detalhadas sobre o fluxo de abastecimento e distribuição dos ARV constam desse documento. Em caso de falta de ARV em alguma unidade, a RNP+ poderá entrar em contato com a coordenação estadual e, se necessário, com a área de Controle de Medicamentos e Insumos do DCCI, pelo e-mail: logistica@aids.gov.br

 

Saúde PulsandoNo último trimestre de 2020, o DCCI fez uma survey online com as pessoas vivendo com HIV e aids, a respeito de como elas estão absorvendo o impacto da covid-19. Quais foram os resultados desse levantamento? Eles serão divulgados, quando? O que o DCCI pretende fazer com eles?

GFMP – Com relação à survey realizada on-line com as pessoas vivendo com HIV/aids, tivemos baixo retorno quanto ao número de respondentes. Entretanto, esses dados, somados aos dados da pesquisa efetuada pela Sociedade Civil, têm sido utilizados para entendermos o cenário atual relacionado ao acesso a informações, prevenção e assistência ao HIV e o acesso a medidas de proteção social, e, com isso, dialogarmos junto aos territórios a partir dos dados observados, na perspectiva da melhoria do acesso. Sobre a publicação dos dados, ainda estamos avaliando, uma vez que o número não é tão representativo.

 

Saúde PulsandoPor falar em levantamento, o DCCI vai incrementar alguma ação, alguma estratégia, ou fazer algo visando um melhor e maior entrosamento entre as políticas, sua gestão e seus profissionais de saúde e usuários do SUS? O levantamento da sociedade civil de tuberculose e HIV/aids aponta um deslocamento, nos parece, significativo.

GFMP – O DCCI reconhece o trabalho desenvolvido pelos movimentos sociais da tuberculose e do HIV/aids, que contou com a participação de gestores, profissionais de saúde e usuários. Esse levantamento revelou achados importantes em relação ao acesso do diagnóstico, tratamento e prevenção, bem como aspectos relacionados ao agravamento da vulnerabilidade social em decorrência da pandemia de covid-19. Na medida do possível, as recomendações resultantes serão utilizadas na qualificação das ações conduzidas por este Departamento.

 

Moysés Toniolo, representante da Anaids no Conselho Nacional de Saúde – O DCCI está fazendo monitoramento dos processos de uso das verbas de IST/aids à luz da Portaria 3.276/2013, que estabelece o Financiamento das Ações de Prevenção as IST/aids/HV no Brasil? Como ele é feito? A Portaria 3.992/2017 transformou os seis antigos blocos de financiamento para repasse de verbas da União a Estados e Municípios em apenas dois: custeio e Investimento. Com isto, gestores Brasil afora aproveitaram que agora as verbas chegam todas juntas como custeio, e misturadas na parte de Vigilância em Saúde (sanitária, epidemiológica, saúde do trabalhador, ambiental etc.) e não estão mais fazendo nem as PAS – Programações Anuais de Saúde em IST/aids, para depois mencionar na PAS geral do estado ou município. Desta forma, se alguém pergunta pela verba de IST/aids, eles alegam que a Portaria 3.992 permite o uso das verbas dos antigos blocos com liberdade de manejo pela gestão, o que é uma mentira deslavada e uma estratégia para desvirtuar verbas específicas para outras finalidades.

GFMP – A Política de Incentivo aos Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito do Programa Nacional de HIV/Aids e outras IST, foi instituída pela Portaria GM/MS nº 2.313, de 19 de dezembro de 2002. Os incentivos financeiros são destinados ao fortalecimento de políticas e programas estratégicos e compõem o piso variável do financiamento da saúde. São aprovados nas comissões gestoras bipartite e tripartite e regulamentados por portaria nas três esferas da gestão.

Em 9 de julho de 2013, foi publicada a Portaria GM/MS nº 1.378, que regulamenta as responsabilidades e define diretrizes para execução e financiamento das ações de Vigilância em Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, relativas ao Sistema Nacional de Vigilância em Saúde e Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. Essa portaria trouxe mudanças na forma de repasse dos recursos do incentivo às ações de IST, aids e hepatites virais. Entre as principais alterações, está a exigência de que as prioridades, ações e metas sejam inseridas no Plano de Saúde e nas Programações Anuais de Saúde (PAS) das três esferas de gestão. No tocante ao monitoramento, os demonstrativos das ações, resultados alcançados e aplicação dos recursos deverão compor o Relatório Anual de Gestão (RAG) em cada esfera de gestão, a ser aprovado pelo respectivo Conselho de Saúde.

Esse normativo é regulamentado pela Portaria GM/MS nº 3.276, de 28 de dezembro de 2013, que dispõe especificamente sobre o incentivo financeiro de custeio às ações de vigilância, prevenção e controle das IST/aids e hepatites virais, previsto no art. 18, inciso II, da Portaria GM/MS nº 1.378/GM/MS, de 9 de julho de 2013, com a definição de critérios gerais, regras de financiamento e monitoramento.

A Portaria GM/MS nº 1.073, de 23 de julho de 2015, refere-se à reprogramação e remanejamento dos blocos de financiamento e de saldos financeiros disponíveis nos fundos estaduais e municipais de saúde. No que se refere ao Bloco de Vigilância em Saúde, o remanejamento e reprogramação deverá obedecer aos critérios previstos no artigo 5º, incisos I e II, tomando os indicadores pactuados no âmbito do Programa de Qualificação das Ações de Vigilância em Saúde (PQAVS). Não há na portaria referência específica para os recursos destinados às ações estratégicas que compõem os incentivos financeiros (piso variável do bloco Vigilância em Saúde). Entende-se, portanto, que o objeto de que trata a portaria não afeta diretamente os recursos destinados ao financiamento de ações do incentivo previsto na Portaria nº 3.276/2013.

O monitoramento no âmbito do incentivo financeiro de custeio às ações de vigilância, prevenção e controle das IST/aids e hepatites virais, previsto no art. 18, inciso II, da Portaria nº 1.378/GM/MS, de 9 de julho de 2013, se dava nos termos do art. 9º da Portaria nº 3.276/2013, in verbis:

“Art. 9º O Ministério da Saúde, por meio da SVS/MS, efetuará o monitoramento sistemático e regular das ações de vigilância, por intermédio dos sistemas de informação de base nacional, previstos no art. 33 da Portaria nº 1.378/GM/MS, de 2013, para fins de manutenção do recebimento do incentivo financeiro.”

Nesse sentido, para melhor entendimento, cumpre transcrever os termos do citado art. 33 da Portaria nº 1.378/GM/MS, a seguir: “A manutenção do repasse dos recursos do Componente de Vigilância em Saúde está condicionada à alimentação regular do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), de Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC) e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), conforme regulamentações específicas destes Sistemas”.

Sobre a competência das Secretarias Estaduais de Saúde e a comprovação da aplicação dos recursos, os artigos 9º e 32 previam, respectivamente:

“Art. 9º Compete às Secretarias Estaduais de Saúde a coordenação do componente estadual dos Sistemas Nacionais de Vigilância em Saúde e de Vigilância Sanitária, no âmbito de seus limites territoriais e de acordo com as políticas, diretrizes e prioridades estabelecidas, compreendendo:

XII - monitoramento e avaliação das ações de Vigilância em seu âmbito territorial;
XII - monitoramento e avaliação das ações de Vigilância em seu âmbito territorial;
[...]

Art. 32. Os demonstrativos das ações, resultados alcançados e da aplicação dos recursos comporão o Relatório de Gestão (RG) em cada esfera de gestão, aprovado pelo respectivo Conselho de Saúde.”

Importante salientar que os regulamentos previstos nas Portarias GM/MS nº 1.378/2013 e nº 3.276/2013, constam, atualmente, nos arts. 431 e ss da Portaria de Consolidação nº 06, de 28 de setembro de 2017.

Nesse sentido, compete à sociedade exercer o controle social e exigir que os recursos destinados ao bloco de vigilância em saúde, no que se refere ao incentivo financeiro de custeio às ações de vigilância, prevenção e controle das IST/aids e hepatites virais, sejam aplicados em conformidade com o artigo 431 da Portaria de Consolidação nº 06, de 2017.

 

Saúde PulsandoTemos informações de uma interlocução mais aprofundada entre o DCCI e o Ministério da Cidadania. Esta interlocução tem o objetivo de responder às solicitações emergenciais para enfrentamento à covid-19, feitas pelo movimento social? O que está nesta agenda?

GFMP – Conforme respondemos na questão enviada pela RNP+BRASIL, o DCCI está trabalhando com a SNAS/MC para o estabelecimento de um Acordo de Cooperação Técnica que tem por objetivo estabelecer a cooperação entre SNAS/MC e SVS/MS para o planejamento, monitoramento, execução e avaliação de ações relacionadas à inclusão social de pessoas em situação de maior vulnerabilidade social em relação ao HIV, hepatites virais, hanseníase e tuberculose e à prevenção da sífilis congênita.

Mediante esse acordo, esperamos aprimorar o desenvolvimento de ações colaborativas entre o SUS e o SUAS para a proteção social dessas pessoas.

Cabe destacar que a inclusão das pessoas com HIV, hepatites virais, hanseníase e tuberculose nos programas sociais governamentais se dará a partir da avaliação da assistência social em relação à situação de vulnerabilidade social de cada pessoa.

 

Saúde PulsandoQuais as prioridades do DCCI para 2021? Há, nestas prioridades, espaço para reinstalação da CAMS ou da CNAIDS? Atualmente, há espaço no Ministério da Saúde do atual governo para sensibilização no sentido da necessidade de o departamento contar com um comitê assessor ou uma comissão com a participação da sociedade civil organizada?

GFMP – As prioridades do DCCI para quatro anos são as seguintes:

  • Reduzir a mortalidade das pessoas vivendo com HIV e coinfecção TB/HIV.
  • Ampliar e fortalecer o diagnóstico e tratamento de TB, HIV, HV, IST e hanseníase.
  • Reduzir a transmissão vertical da sífilis e da hepatite B e eliminar a transmissão vertical do HIV.
  • Ampliar o tratamento da hepatite C.
  • Ampliar o acesso às ações de prevenção e diagnóstico para populações-chave.
  • Fomentar estudos e pesquisas para o desenvolvimento de novos testes de diagnóstico da hanseníase.

Todos os comitês, comissões e colegiados do governo federal foram extintos pelo Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019.

Atualmente, a SVS está discutindo o seu decreto de criação e a elaboração de justificativa para a reativação desses colegiados no âmbito dessa Secretaria.

 

Lista de Siglas
Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ARV – antirretroviral / antirretrovirais
CAMS – Comissão de Articulação com os Movimentos Sociais
CNAIDS – Comissão Nacional de IST, Aids e Hepatites Virais
CTA – Centro de Testagem e Aconselhamento
Conitec – Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS
EaD – Ensino a Distância
FDA – Food and Drug Administration (Administração de Drogas e Alimentos)
GM / MS – Gabinete do Ministro / Ministério da Saúde
GNP+ – Global Network of People Living with HIV (Rede Global de Pessoas Vivendo com HIV)
IST – infecção / infecções sexualmente transmissível / transmissíveis
MNP – Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONU – Organização das Nações Unidas
OPAS / OMS – Organização Pan-Americana de Saúde / Organização Mundial da Saúde
OSC – Organização da Sociedade Civil
PNOV – Plano Nacional de Operacionalização de Vacinação da covid-19
Pnud – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PrEP  – Profilaxia pré Exposição ao HIV 
RNAJVHA – Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/AIDS
RNP+ Brasil – Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS
SNAS / MC – Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
SUS – Sistema Único de Saúde
SVS / MS – Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde
Unaids – Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids
Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Unfpa – Fundo de População das Nações Unidas
Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância

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