Por Salvador Campos Corrêa (*)
Como agir diante das repetições que você não deseja mais na vida? Como fazer ou desfazer de forma diferente? Fluir exige resistir ao conforto da inércia. Impera ação, como Betinho costuma dizer – e nos relembra Daniel de Souza com seus relatos sobre a manutenção e expansão do legado de seu pai. O resultado de suas ações contribuiu para o programa brasileiro de erradicação da fome, a criação da política de AIDS, o processo de democratização e cidadania no Brasil. Ação para ele, era necessariamente algo coletivo.
O caminho dos insights pode ser uma alternativa, diriam os adeptos da Gestalt Terapia. É necessário relembrar que o insight é um processo mental que ocorre intuitivamente, e com bases em coletividades.
Meses atrás discutia em uma aula de doutorado como poderíamos lidar com as questões éticas no futuro, em que tudo é tão coletivo e tudo tão de todos.
Por falar nisso, é necessário lembrar que nem sempre a resposta está em nós, mas no todo. O cuidado com a energia (pensamentos, palavras e afins) que se emite e se recebe e o respeito ao outro é terreno básico para entender quem se é e o que se quer ser.
O autocuidado urge. Com qual clareza você se conhece? Como transita e flui com suas emoções? Projeta muito nas pessoas ou silencia a mente no infinito do silêncio.
O “não saber” já foi tema de muitos grandes filósofos, e o “nada” foi amplamente debatido. Quanto mais houver silêncio no meio dos mais dolorosos pensamentos e emoções, maior é a capacidade do não apego e da não identificação. No momento em que você julga o que pensa, a identificação pode ser acionada e sair da dor pode ser ainda mais desafiador. Se reprimir pode ser um caminho negativo e paralisante. Expressar-se é fundamental. No entanto, faz necessário ter disciplina emocional – que por vezes é adquirida com o tempo e nas relações humanas.
Na terapia cognitivo comportamental falamos muito em gatilhos. Que funcionam como armadilhas mentais que podem te desviar do seu foco. Após cair muitas e muitas vezes, você começa a identificar os gatilhos. Assim começa a assumir responsabilidades para não cair mais. Muitas vezes essa percepção ocorre em um processo terapêutico. Mas também pode acontecer por outras formas de autoconhecimento, nas quais você se permite uma imersão interna.
Algo que costuma ser a base dos gatilhos são os sistemas de crenças. Elas foram amplamente discutidas por teóricos da Terapia Cognitiva, e A. Beck chegou a criar o Diagrama da Conceituação Cognitiva que mapeia os pensamentos automáticos, crenças centrais e intermediárias e as associa a situações e comportamentos.
Assim, o caminho da autodescoberta passa pelo trânsito do “não eu”, ou seja, o reconhecimento da existência da identificação com elementos que não cabem mais em sua vida. O ser em construção, elementos inconscientes e fluidez são partes. O liberar-se de pensamentos disfuncionais automáticos é tarefa diária e o encontro com o todo (integrar-se) é a busca cotidiana em cada respiração pela delicadeza e reconhecimentos das flores e belezas do caminho.
Seria hora de a gente repensar o ativismo? Uma nova forma de pensar e agir está sendo exigida pela nova pandemia mundial? Seguramente precisamos apostar nos caminhos ainda não traçados e o farol é o legado que a AIDS tanto nos ensina: a solidariedade.
(*) Salvador Campos Corrêa é gay com HIV, psicólogo, escritor e membro da RNP+RJ.
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