Visibilidade vermelha: cartas de princípios vivas

Salmão: sorologia aberta em manifestação (Arquivo pessoal)

Mulheres vivendo com HIV ou aids deram show de visibilidade; ativista cearense abre sorologia em manifestação

Por Paulo Giacomini

Novas, maduras, mulheres de todas as idades. Vivas ou já brilhando entre as estrelas, as mulheres com HIV ou aids deram um show de visibilidade neste início de Dezembro Vermelho.

Infelizmente, a foto da SoroposidHIVa Vanessa Campos não está na capa da edição da revista Veja desta semana, em que o 23º Dia Mundial de luta contra a AIDS lembrou os 40 anos da pandemia do HIV/aids, os 25 anos da Lei 9.313/1996 e os três anos que o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Manejo do HIV em Adultos (PCDT-HIV) não é atualizado.

Mas, se estivesse, certamente a foto de Vanessa contribuiria para diminuir o estigma às pessoas vivendo com HIV ou aids no Brasil, que a própria Veja ajudou a cristalizar quando, em 1990, publicou uma foto 3x4 do cantor e compositor Cazuza em sua capa.

No entanto, lá está ela, como uma dHIVa da Floresta Amazônica, no vai e vem de um balanço às margens do Rio Negro. Aos 49 anos, 31 dos quais vivendo com HIV/aids, mãe de três, duas mulheres e um homem, Vanessa não é uma heroína, ela é simplesmente uma mulher vivendo com HIV ou aids (MVHA) que utiliza sua visibilidade pública para sensibilizar a sociedade para a causa do HIV/aids e encorajar outras mulheres a se libertarem do estigma que ainda é viver com HIV ou ficar doente de aids.

Com pernas fortalecidas pelo exercício na bicicleta, a psicóloga Rafaela Queiroz também está na reportagem. Mais conhecida como Rafuska, aos 30 anos, a psicóloga infectada pelo HIV ao nascer disse ao semanário Veja que ainda hoje há quem pense que pode se infectar com um abraço.

Aos 62, anos, a fundadora e atual secretária Política do Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas, Jenice Pizão brilhou nesta sexta-feira (3), da Tribuna do Plenário Ulysses Guimarães, na Câmara dos Deputados. Durante a Sessão Solene em alusão ao Dia Mundial de luta contra a AIDS, a professora aposentada falou sobre as qustões relativas às MVHA.

Hoje ela é uma estrela ascendente, alçada ao panteão do rock’n’roll, onde está sentada aos pés de Janis Joplin, entre Cazuza e Freddie Mercury. Lory F. morreu em 1993 em decorrência de complicações provocadas pela aids. Levada à glória em votação popular, desde julho a roqueira vem ganhando homenagens: o “Palco Lory F.” na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre, onde também foi montada uma exposição e exibido um documentário.

Neste Dia Mundial de luta contra a AIDS, ela foi homenageada pela irmã Laura Finocchiaro, que cantou suas músicas para um pequeno grupo no Teatro Garagem, em São Paulo. A atriz Anette Naiman deu vida a cartas e composições ainda não gravadas. Seu único álbum gravado poucos meses antes de morrer, o “Lory F. Band” está disponível nas plataformas digitais de música.

Carta de princípios viva
Desde os 23 anos, Carlos Salmão trabalha como educador comunitário em Fortaleza, capital do Ceará. Aos 30 anos, ele surpreendeu até mesmo a quem vive há mais de 30 com HIV ou aids. Neste Dia Mundial de luta contra a AIDS ele foi às manifestações na cidade com uma faixa vermelha na cabeça, como as que Cazuza usava.

Em algum momento, tirou a camiseta e, com batom, escreveu em seu peito “HIV+”. Carlos vive com HIV desde 25 de janeiro de 2015, quando recebeu o diagnóstico. Empoderado, neste Dezembro Vermelho pegou sua autonomia com as mãos e deu visibilidade a sua sorologia. “Eu me sinto livre agora”, disse ele a Saúde Pulsando.

A Carta de Princípios da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS, a RNP+ Brasil, prega que os núcleos acolham as pessoas vivendo com HIV ou aids, incentive-as ao empoderamento que garanta autonomia e elas venham a assumir a visibilidade de sua sorologia.

“Hoje mostro publicamente minha força de quase 7 anos de luta contra AIDS! Sim, sou HIV+ e hoje não me envergonho mais por isso nem tenho mais medo de dizer! Foi uma luta que não peguei só pra mim, mas por todas as pessoas que passaram por esse diagnóstico tão cheio de preconceito e discriminação! Mostro pra muita gente que não, não sou aidético, carimbado, sangue sujo, que não é ‘castigo de deus’, que não é ‘coisa de viado’. Mostro que HIV e AIDS tem diferença. Mostro que sou alguém comum como você, com apenas um vírus no corpo, indetectável nos exames e intransmissível para outras pessoas que venha a me relacionar sexualmente. Mostro que é possível viver bem com essa realidade e incentivo a prevenção sexual às pessoas que não estão nela. Mostro não por justificar algo, mas por necessidade política e social!”, escreveu ele em seu perfil no instagram.

Ele se mostrou uma Carta de Princípios viva. “Eu ainda estou absorvendo tudo”, diz com a coragem de quem, com o microfone na mão, abriu sua sorologia e puxou uma rima em protesto ao prefeito da capital cearense. “Tentaram me controlar e me colocar numa caixinha, mas eu não deixei”, afirma sobre a área técnica de HIV/aids da saúde municipal. “Se quiserem minha ajuda estou dentro, mas sem hipocrisia.” Talvez por isso ele tenha escrito, na mesma postagem:

“A AIDS ainda existe, por questões estruturais, discriminatórias e descasos com atendimento ao paciente em diversos fatores. E por isso, hoje não sou mais só um educador na área de prevenção, sou um ativista na luta contra a AIDS e busco fortalecer várias instituições de organização civil, do movimento social de luta contra a AIDS que acreditam no meu trabalho e que apoiam essa população. Sou aquele que levantou do ‘buraco do preconceito” vários jovens recém-diagnosticados e que usou desse ‘fardo’ pra lutar por uma causa e pelas pessoas. Sou aquele que continuará lutando pela melhoria do SUS e pelas pessoas com essa realidade. Hoje me sinto saindo do ‘segundo armário’ e continuarei nessa luta!”

Empoderado, com a autonomia nas mãos e a sorologia escancarada para o mundo, Carlos ainda tinha a reação da mãe como preocupação. “Foi tudo maravilhoso com ela”, diz feliz. “O resto do mundo é fichinha agora.” Mas, houve quem o tenha chamado de irresponsável porque ele não havia dito que tinha HIV na hora do sexo. “Eu transei com camisinha. As pessoas não sabem o que é indetectável ainda e vieram com uma ideia de me culpar, mas eu as coloquei no lugar delas.”

Compartilhe nas redes sociais: