Dia Mundial de luta contra a AIDS: a ciência evolui enquanto a sociedade retrocede

Rodrigo Pinheiro, presidente do Foaesp

Por Rodrigo Pinheiro

As pessoas que estão no movimento social de luta contra a aids contam que, no início, quando não se sabia o que era a doença e o vírus nem nome tinha, profissionais de saúde eram discriminados por cuidar das pessoas que morriam rapidamente, em poucos meses.

Às vésperas de a epidemia do HIV/aids completar 40 anos e entrar em sua quinta década, rumo à eliminação, alguns profissionais de saúde deixam apreensivas as pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA).

Mas, longe de representar casos isolados de preconceito e discriminação, as violências institucional e obstétrica só aumentam a cada dia e, a cada relato que o Fórum das ONG/Aids do Estado de São Paulo recebe, para nós representa a confirmação dos retrocessos que temos enfrentado – as ONG/aids e as redes de PVHA – nos últimos anos.

Para confirmar os relatos, a pesquisa Índice de Estigma em relação às pessoas vivendo com HIV/aids, realizada pelo Unaids em sete capitais brasileiras, traz dados aterrorizantes. Na capital paulista, 92,4% das pessoas respondentes tiveram sua sorologia revelada a vizinhos sem o consentimento da PVHA. Conforme relataram 28,5% das PVHA entrevistadas tiveram a sorologia revelada a amigos, também sem consentimento. A Lei nº 12.984/2014 criminaliza a revelação sorológica sem consentimento.

Segundo o relato de 43,2% das pessoas respondentes já souberam que familiares fizeram comentários discriminatórios e 41,6% souberam que outras pessoas fora da família também teceram comentários discriminatórios; 31,7% se isolaram da família ou de amigos, 80,7% consideram difícil revelar a sorologia e 75,5% a escondem de quaisquer pessoas. Além disso, 37,2% têm vergonha, 30,4% sentem-se culpadas, 26,2% sentem-se sujas e 24,1% consideram-se inúteis por ter HIV.

As violações de direitos humanos foram relatadas pelas PVHA pesquisadas, sendo que 10,4% foram forçadas a fazer um teste de HIV ou revelar a sorologia para candidatar-se a um emprego ou aposentar-se. Para aderir a um plano de saúde, 8,7% tiveram que fazer o teste o revelar a sorologia e 6,5% foram forçadas para receber tratamento de saúde.

Não sabiam o que fazer para denunciar as violações sofridas 25,4% das PVHA respondentes, 16,4% sentiram-se intimidadas e 14,9% desconfiaram que uma denúncia pudesse resolver a violação e não fizeram nada.

Em relação aos serviços de saúde, 39,3% das PVHA disseram não estar preparadas para lidar com a soropositividade, 17,7% retardaram ou evitaram iniciar o tratamento do HIV por medo de serem maltratadas por profissionais de saúde ou revelassem o diagnóstico das respondentes sem seu consentimento. Ainda, 12,8% relataram experiências ruins com profissionais de saúde antes do HIV.

Para 8,3%, profissionais de saúde fizeram comentários ou fofocas das PVHA respondentes por causa do HIV, 6,3% disseram que profissionais de saúde minimizaram o contato ou tomaram precauções suplementares e 3,7% foram aconselhadas a não fazer sexo por terem HIV.

Em outros serviços de saúde não relativos ao tratamento do HIV, 14,6% relataram que tiveram o tratamento odontológico recusado por terem HIV, 11,5% minimizaram o contato físico, 9,7% tiveram atendimento de saúde recusado e 8,3% foram aconselhadas a não fazerem sexo por serem soropositivas para o HIV.

Com os dados acima, não surpreende que 36,1% das pessoas respondentes não sabem se o prontuário e outros registros médicos estão protegidos por sigilo e 6,3% das PVHA têm certeza que seus registros médicos não são protegidos pela confidencialidade.

São gravíssimos os relatos de 8,5% que afirmaram terem sido aconselhadas por profissionais de saúde a não terem filhos e 2,8% disseram terem sido pressionadas ou incentivadas a serem esterilizadas.

As mulheres cisgênero relataram mais violações: 32,4% das mulheres vivendo com HIV/aids afirmaram terem sido pressionadas a usar um método contraceptivo específico, 22,4% foram pressionadas a aderir à terapia antirretroviral para reduzir as chances de transmissão do HIV a seus bebês, 17,3% a optarem por um método específico de parto, 10,2% foram pressionadas a usarem uma prática específica de alimentação para o bebê e 5,1% foram aconselhadas a interromper a gravidez.

Primeiro epicentro da epidemia de HIV/aids no País e com o maior número de casos, recentemente São Paulo eliminou a transmissão vertical (da mãe para o bebê). No entanto, vemos progredir as violações de direitos. Ao olhar para os dados de estigma e discriminação relatados na maior cidade do País não há como não pensar no que pode acontecer por este Brasil adentro.

Ao fim da quarta década da epidemia de HIV/Aids no Brasil, a ciência avançou rapidamente. Os medicamentos elevaram a expectativa de vida das PVHA; com as profilaxias pré e pós exposição (PrEP e PEP, respectivamente), as drogas que tratam o HIV também protegem pessoas da infecção pelo vírus. A supressão viral nas PVHA impede que o vírus seja transmitido sexualmente.

No entanto, retrocedemos no campo da Saúde. Não avançamos nos campos da Assistência Social, Trabalho, Educação, Justiça e Direitos Humanos... A intersetorialidade entre essas pastas é inexistente, quase nula. As violações ao direito de acesso à saúde vêm se avolumando, mais e mais mulheres vivendo com HIV/aids relatam terem sofrido violência obstétrica.

O Brasil é signatário dos esforços globais para reduzir o HIV a pouquíssimos casos em 2030. Mas isso só será possível com a intersetorialidade das pastas. É preciso políticas de Direitos Humanos alinhadas à Saúde, Educação, Assistência Social e Trabalho, entre outras.

Apenas protocolos de procedimentos científicos, acompanhados de políticas públicas intersetoriais e inclusivas podem contribuir para reduzir a epidemia de HIV/aids significativamente.

 

Rodrigo Pinheiro é presidente do Fórum das ONG/Aids do Estado de São Paulo.

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