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Por Beto Volpe
Há pouco mais de três semanas um de meus maiores medos se tornou realidade: minha mãe, saindo da sala de testagem para Covid-19, andava lentamente e com o olhar amedrontado, me disse: - Deu reagente. Eu tenho alguns temores muito grandes, como o de ser feito refém com minha família dentro de casa, ser colocado em um camburão cheio de homens bem dotados (esse, um dia, foi um sonho erótico) e o de que eu e minha mãe peguemos o corona de jeito, não consigamos vencê-lo e minha querida pug Wendy fique sem seus dois amores de uma vez só.
No mesmo instante em que ela revelou o diagnóstico outro medo se apoderou de meus pensamentos: conseguiria eu, com minhas limitações físicas, dar o suporte necessário para ela? Saímos de lá com os fantasmas de internação e intubação na mente e fomos direto à sede de seu convênio onde a médica nos tranquilizou dizendo que suas funções vitais estavam boas e que o caso seria de acompanhamento domiciliar, remédios e muito repouso. A partir daí assumi o papel de cuidador de minha mãe, invertendo a lógica predominante desde que contraí o HIV há 33 anos.
Após um período de sete anos desde o diagnóstico, quando eu misturava medicamentos e técnicas experimentais com muito álcool e cocaína, em 1996 fui considerado paciente terminal com 38 quilos (praticamente a metade de meu peso atual) e apaguei por três dias. Ao acordar vi que minha mãe estava debruçada sobre minhas pernas e soube, logo a seguir, que ela havia estado assim durante todo meu ‘sono’, pois a transfusão de sangue estava sendo feita por uma veia do pé, a única que tinha condições de receber o líquido da Vida, como diria Drácula. Três dias deitada sobre as pernas do filho para que ele não perdesse a ligação com esse mundo, certamente orando a Nossa Senhora, São Judas e Santo Expedito, de sua devoção.
A partir daí foi uma sucessão de idas e vindas a clínicas de fisioterapia para tentar reverter o quadro de paralisia de minha perna direita, fazendo com que ela dobrasse e desdobrasse a cadeira de rodas três vezes por semana e dirigisse até o município vizinho para garantir que seu filho tivesse as melhores oportunidades de reabilitação. Ia de busão a Sampa buscar o medicamento conquistado através de ação judicial. E deu certo, hoje estou vivo e caminho tranquilamente com minha bengala querida, a Raquel, e se não fosse a garra e o amor de minha mãe eu, certamente, estaria conversando com Hawking a uma hora dessas.
E, antes do que imaginava, me vi cuidando de minha mãe, fazendo a roda da Vida girar e me desdobrando para que ela tivesse o maior conforto possível em sua recuperação, que foi um pouco mais complicada por conta do antigo problema de anemia dela. Tendo como pano de fundo o temor em contrair o vírus, apesar de máscara e álcool gel o tempo todo, era suquinho de inhame com beterraba e alguma fruta ao despertar, incentivar que ela vencesse a absoluta falta de apetite na hora das refeições (só faltou fazer ‘aviãozinho’), caldinho de feijão com fígado, verificar os sinais vitais e administrar os medicamentos na hora certa. Tudo o que ela já havia feito por mim, agora tenho a oportunidade de fazer por ela.
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso.
“Carga Viral”, por Beto Volpe
Beto Volpe é ativista em Direitos Humanos, escritor, autor do livro "Morte e Vida PositHIVa" e colunista sobre HIV/AIDS em Saúde Pulsando
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