People vector created by jemastock - www.freepik.com

por Vanessa Campos

Há muitos pontos que me chamam atenção no relato de uma mulher HIV+ e me fazem analisar possibilidades que ela sequer cogitou. Por outro lado, observando os comentários no grupo aonde pediu ajuda, vi a reprodução do que nossa sociedade machista impõe sobre a mulher.

Ela relata:
1) Que 4 meses após o término de um casamento de 10 anos se sentia deprimida e muito cansada, e resolveu fazer um check-up incluindo o teste de HIV. Ponto pra ela que enxergou que o autocuidado é uma decisão pessoal.

2) Que o ex-marido “sempre disse que era virgem” ao casar. Fico aqui pensando: por que será que ele fazia questão de frisar isso?! Imagino que transavam sem camisinha.

3) Quando fez o exame já estava transando com o novo namorado há quatro meses e que ele “nunca quis usar camisinha” (raro é o cara que quer usar). Ao mesmo tempo que diz que ele já foi MUITO ABUSIVO e que ele mudou muito após 2 anos e meio de relacionamento, também diz que ele é IGNORANTE e DESINFORMADO e que tem “MEDO DE CONTAR PRA ELE”.

4) Por fim, fecha seu relato tomando um fardo gigantesco de CULPA sobre si mesma. Se colocando como responsável por ter “infectado o ex-marido que sempre dizia que era virgem” e que ele casou e teve uma filha e, portanto, também se sente responsável pela saúde dele, da atual mulher e da filha.

Se culpa por uma possibilidade de ter infectado o atual parceiro que, além de abusivo e ignorante, é desinformado e a deixa com MEDO da reação dele se contar sobre o HIV.

Proponho SAIR DESTE LOCAL DE CULPA e se colocar como alguém que CONSENSUALMENTE transava sem camisinha com o ex-marido e com o atual parceiro e que CADA PESSOA É RESPONSÁVEL pelo seu AUTOCUIDADO para analisarmos outras possibilidades:

  1. Você pode ter sido infectada pelo seu ex-marido durante estes 10 anos e o HIV só ter começado a dar sinal de alerta no final deste relacionamento porque encontrou ambiente físico e mental propícios neste momento de grande estresse.
  2. Você pode ter adquirido HIV deste atual namorado que você já transava sem camisinha durante os 4 meses antes do exame. E o extremo cansaço poderia ser sintoma da infecção aguda pelo HIV.
  3. O fato de você ter descoberto o HIV não te faz ser a pessoa que tem que se responsabilizar por todas as pessoas que você transou na vida. Isso era muito comum na DÉCADA DE 80 quando os serviços de saúde nos orientavam a FAZER A LISTA DOS PARCEIROS e que a gente era “aconselhado” a ir atrás deles e chamar para fazer o teste.
  4. Atualmente existe teste rápido e, inclusive, PROTOCOLO DE TESTAGEM DE HIV NO PRÉ-NATAL que deve ser oferecido para todas as grávidas. Então, se o teu ex já casou e teve uma filha, cabe a ele e à mãe da criança a prevenção também em relação ao HIV.

Este relato de CULPA e MEDO não é diferente da maioria dos relatos das mulheres HIV+ que acolho. O MACHISMO ESTRUTURAL nos impõe esta OBRIGAÇÃO DE CUIDAR DOS HOMENS. E este mesmo machismo torna o FEMINICÍDIO algo comum, afinal, essas mulheres não fizeram bem o seu papel de cuidar, acalmar e agradar seus homens.

Saia desse ciclo e ASSUMA O PROTAGONISMO DE CUIDAR DE VOCÊ EM PRIMEIRO LUGAR!

Avalie se este relacionamento abusivo é o lugar que você pretende estar.

Cuide da sua saúde física e mental, a psicoterapia pode ajudar nesta questão. E depois, quando essa culpa tremenda não estiver mais te oprimindo, será mais leve você pensar se procura estes dois homens e fala sobre o seu HIV pra eles.

AME-SE, VOCÊ MERECE TODO O AMOR DO MUNDO!

PS: Esta que escreveu este textão, viveu dois casamentos extremamente abusivos e se sentiu tão inferior por causa do HIV que chegou a achar natural se submeter a todo tipo de abuso porque aqueles “dois homens a aceitaram mesmo sendo AIDÉTICA” (era assim que eu me enxergava, dessa forma pejorativa)!

Beijos no coração.

“Cor de Rosa-choque”, por Vanessa Campos
Vanessa Campos, 49 anos, mulher, mãe, vive com HIV/AIDS há 31 anos. É representante estadual da RNP+ Amazonas, secretária nacional de informação e comunicação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+ Brasil) e idealizadora da fanpage Soroposidhiva.


Compartilhe nas redes sociais: