Geni e o Zepelin na visão de Chico Buarque segundo a pintora Miriam

Por Beto Volpe

O Brasil foi o País que, em um primeiro momento, deu a melhor resposta para a epidemia de AIDS, criando e exportando tecnologias que trouxeram um grande impacto na prevenção de novos casos, em um melhor atendimento às pessoas vivendo com HIV/AIDS e na promoção dos direitos humanos envolvidos. Nada disso teria sido possível não fosse a criação, quase que simultaneamente ao surgimento da epidemia no Brasil, do Sistema Único de Saúde. Parido a duras penas pelo Congresso Nacional, uma vez que uma grande ala não queria que a saúde pública fosse uma responsabilidade do Estado, o SUS foi se estabelecendo e, não fosse por ele, o Brasil não teria tido condições de ter o reconhecimento internacional dado à estratégia brasileira de enfrentamento à epidemia de AIDS. Hoje vemos que o SUS é o grande baluarte que sustenta a resposta do Brasil à epidemia de Covid-19 e, ainda assim, continua a sofrer ataques e ter sua importância menosprezada em certos círculos do poder.

Foi no município de Santos (SP) que a então prefeita Telma de Souza e seu Secretário de Saúde Dr. David Capistrano tiveram a coragem de encarar a AIDS de frente, enquanto na maioria dos lugares a doença era varrida para debaixo do tapete, uma vez que ela trazia temas, digamos, indigestos para os ‘cidadãos de bem’. Foi montado um Centro de Referência onde era prestado um atendimento integral à saúde das pessoas com HIV, fazendo com que a mortalidade entrasse em declínio e trazendo de volta as expectativas em suas vidas. Foram elaboradas e desenvolvidas ações de prevenção para a população em geral e, especialmente, para populações específicas que concentravam o maior número de casos, como homens que fazem sexo com outros homens, profissionais do sexo, travestis e usuários de drogas. Neste último houve até ordem de prisão expedida contra a prefeita e seu secretário por conta da estratégia de redução de danos com a troca de seringas. Nada disso teria sido possível sem o amplo guarda-chuvas do SUS, que abriga todas essas práticas nos seus pilares de universalidade, integralidade e equidade.

Hoje estamos enfrentando uma nova pandemia, que está desestabilizando países e suas economias, além de já ter ceifado mais de meio milhão de vidas em poucos meses de disseminação. O poder executivo nacional desdenha da doença, não tem o menor respeito pelas vítimas e seus familiares e até hoje minimiza os impactos da Covid-19, ainda que mais de 50 mil pessoas já tenham perecido em nossas terras. Mas, ainda assim, é o SUS que vem garantindo uma resposta razoável por parte de estados e municípios, mantendo os índices abaixo dos que se esperava de um país nada sério, como já disse Charles De Gaulle. É o SUS que mantém uma ampla rede de atendimento, constantemente monitorada para checar suas flutuantes necessidades e procurando garantir a saúde dos profissionais envolvidos, embora o Brasil já seja o recordista de óbitos entre profissionais de saúde. Não vemos nenhuma pesquisa de vacina ou tratamento partindo de instituições privadas, apenas laboratórios e universidades públicas estão trabalhando para encontrar uma solução definitiva para o problema. E, ainda assim, atacam o SUS na ânsia de ver essa galinha dos ovos de ouro nas mãos da iniciativa privada.

O gênio Chico Buarque de Hollanda nos brindou com a magnífica Ópera do Malandro, onde a personagem Geni é uma travesti que era constantemente hostilizada pela sociedade, até que chega um Zepellin que ameaça destruir toda a cidade, mas seu comandante muda de ideia ao ver e desejar a beleza de Geni. Após sua recusa inicial e os comovidos pedidos e ofertas carinhosas do povo, ela cede e tem uma noite de sexo com o tal comandante, que faz dela gato e sapato, partindo logo depois. Logo pela manhã ela é acordada com a população que gritava para que jogassem pedras e bostas nela. O SUS é a nossa Geni sanitária. É ele que está salvando muita gente da morte e, aos trancos e barrancos, contendo uma explosão catastrófica de casos de infecção pelo novo coronavírus. Esperamos que, assim que tudo isso passar, o SUS passe a ter o respeito que merece tanto por parte do povo brasileiro como de seus governantes. Se não houver SUS, não há saúde.

Portanto...

Não jogue pedra no SUS!
Não jogue bosta no SUS!
Ele pode te salvar, ele vai te acolher.
Ele atende qualquer um, bendito SUS!

“Carga Viral”, por Beto Volpe
Beto Volpe é ativista em Direitos Humanos, escritor, autor do livro "Morte e Vida PositHIVa" e colunista sobre HIV/AIDS em Saúde Pulsando


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