Por Beto Volpe

O mês de maio é marcado por celebrações significativas para boa parte da população. Há o Dia das Mães, o culto a Nossa Senhora de Fátima e a Abolição da Escravatura (ainda que haja controvérsias sobre as palavras escravidão e escratura, além de estudiosos considerarem a Lei Áurea a maior fake news da história).

Mas há uma outra data que é muito importante para a luta contra a AIDS, que é o Candlelight (Luz de Velas, em inglês). Quando do surgimento da epidemia no mundo ocidental, porque na África já estava rolando há décadas, o governo Reagan demorou cinco anos para reconhecer a existência de uma doença que já havia matado 21 mil cidadãos estadunidenses. Qualquer semelhança com o episódio da ‘gripezinha’ não é mera coincidência. E isso só aconteceu porque, em 1983, pessoas que haviam perdido entes queridos para a AIDS foram às ruas portando velas acesas em sua memória. A passeata juntou milhares de pessoas, cobrindo algumas quadras em Manhattan, tornando a posição do presidente insustentável e obrigando o governo a tomar atitudes em relação à epidemia e de lá para cá o evento se espalhou pelo mundo todo.

Hoje temos a pandemia da Covid-19 que já causou cerca de 350.000 mortes no mundo, mais de 24.500 delas no Brasil, sendo que os números brasileiros podem aumentar muito, uma vez que o modelo utilizado pelo governo dos EUA diz que, no melhor dos cenários, teríamos em torno de 30 mil e no pior, 180 mil pessoas perderiam a vida para o coronavírus. Entendo como melhor cenário aquele em que as autoridades tomem as atitudes recomendadas pela ciência e contem com o apoio da população e o que vemos em nosso país é exatamente o contrário, ou até pior. Nem nos piores pesadelos dos cientistas brasileiros que estão à frente do combate à Covid-19 aconteceria uma reunião do Presidente da República com seus Ministros de Estado em que se falasse de hemorroidas e de aproveitar o momento para acabar de vez com o meio ambiente; tudo, menos sobre a pandemia. O único a falar algumas linhas sobre o assunto foi o ex-Ministro da Saúde e, mesmo assim, não houve eco entre os participantes.

Quando o ministro era Luiz Henrique Mandetta as coletivas de imprensa diárias eram recheadas de dados, inclusive sobre os óbitos por conta de comorbidades como problemas cardíacos, pulmonares ou imunodepressores. Acontece que nas coletivas em verde-oliva esse tipo de detalhamento desapareceu e os dados sobre pessoas vivendo com HIV mortas pela Covid-19 caíram no buraco negro do esquecimento. Afinal, alguém na gestão da luta contra a AIDS nas três esferas de governo está fazendo esse tipo de levantamento? Quantas pessoas com HIV tiveram diagnóstico positivo para a Covid-19? Através de que tipo de exame: teste rápido, sorologia ou PCR? Creio que esse assunto está a anos-luz de ser trabalhado no âmbito das políticas públicas, uma vez que desde o início da epidemia de AIDS não houve uma única pesquisa abrangente que focasse na qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV.

O International AIDS Candlelight Memorial, coordenado pela Rede Global de Pessoas Vivendo com HIV, estendeu suas ações deste maio de 2020 para as pessoas afetadas pela Covid-19. Com o mesmo espírito de 1983 velas foram acesas em todos os continentes, mas agora não apenas para as pessoas que morreram em decorrência da AIDS, mas também pela nova doença que veio do leste. Triste e até desesperador é ver que nosso governante maior dá mais importância a suas hemorroidas do que ao combate ao novo coronavírus. Muitas velas serão acesas em nosso País, que teve uma oportunidade de ouro para se prevenir contra essa doença por ser um dos últimos da fila mundial e ter bons exemplos a serem adotados. Mas que preferiu o negacionismo científico e bravatas que só fazem bem ao ego de seus seguidores.

Não acenderemos velas somente para os brasileiros mortos pela AIDS ou pela Covid-19. Acenderemos velas para o Brasil.

“Carga Viral”, por Beto Volpe
Beto Volpe é ativista em Direitos Humanos, escritor, autor do livro "Morte e Vida PositHIVa" e colunista sobre HIV/AIDS em Saúde Pulsando


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