O 2 de Junho na Alemanha

O card #AcendaALuzVermelha, da BesD, Alemanha

Por Flavio Lenz, de Berlim,
Especial para Saúde Pulsando

A exigência da reabertura dos bordéis e a condenação de uma sugestão feita por deputados de criminalização de clientes são o foco das comemorações do Dia Internacional dxs Trabalhadorxs do Sexo na Alemanha. Em formato de carta aberta, adesivos, ou da campanha e #AcendaALuzVermelha, entidades nacionais e locais decidiram investir contra a demanda política de proibição de compra do sexo no meio da pandemia de coronavírus, mostrando, ao contrário, como é possível a retomada dos serviços sexuais durante a pandemia.

A reação à recente sugestão de 18 deputados federais de partidos governistas de adotar na Alemanha a criminalização dos clientes é capitaneada por duas organizações nacionais, a Federação Alemã de Serviços Sexuais (BSD) e a Federação para Serviços Eróticos e Sexuais (BesD). A primeira enviou carta aberta aos parlamentares denunciando que o objetivo real deles é proibir a contratação de serviços sexuais. A entidade argumenta que assim como restaurantes, piscinas públicas e casas de massagem não sexuais já foram reabertos, a indústria do trabalho sexual também deve “gerar renda novamente e oferecer aos clientes um bom serviço, que é humano e feito para eles”. Apresenta ainda uma relação de medidas graduais que permitiriam a retomada segura do trabalho sexual, como abertura de apenas uma parte dos quartos nos bordéis, com uma só profissional por cômodo, e o funcionamento dos bares dessas casas sem venda de bebidas, sem dança e exibição de filmes, na primeira de três etapas até a normalização total do negócio.

Já a BesD lançou a logomarca e #AcendaALuzVermelha, para que trabalhadorxs sexuais e apoiadores façam fotos de rosto ou outra parte do corpo para postar nas redes sociais com a marca, que traz o texto “Pelo trabalho legal. Contra a proibição da venda de sexo”, além da referência ao 2 de Junho. Bem-humorada, a campanha também ironiza os deputados, que escreveram em carta que “a prostituição tem o efeito de um superpropagador de vírus”, afirmando que está à procura de superpropagadores da #.

A BesD também propõe medidas para a retomada do trabalho sexual. Entre elas, estão: nenhuma prática oral; sexo anal apenas com luvas; uso de máscara pelx trabalhadxr sexual; manter os rostos distantes durante o sexo (use sua imaginação!); manter o contato do cliente por 4 semanas; programa limitado a um cliente e a um profissional, ou seja, nunca mais que duas pessoas.

Encontros virtuais e ação nas ruas
Dois eventos virtuais também fazem parte das comemorações do 2 de Junho. No “Ask a sex worker”, o internauta pode perguntar “tudo o que quiser” a um profissional, inclusive sobre os bastidores da prostituição. Também promovido pela BesD, o acesso, gratuito, é pelo link https://www.facebook.com/event a partir das 18h, ou 13h pelo horário de Brasília.

A outra atividade virtual é de histórias reais contadas por trabalhadorxs do sexo de Berlim, em benefício do grupo de advocacy e centro de aconselhamento Hydra, da capital alemã. A ideia é oferecer entretenimento e insight, arte e ativismo, e uma oportunidade para o público entender “o que queremos dizer com ‘trabalho sexual é trabalho’”.

Com doações sugeridas de 12 a 15 euros, ou 5 para profissionais do sexo de baixa renda, e falado em inglês, o evento será transmitido por meio da plataforma Zoom, a partir das 20h, ou 15h no horário de Brasília. O link para comprar ingresso é o https://www.eventbrite.com/e/huren-horen-an-evening-of-sex-workers-stories-tickets-104622552872.

Integrantes da própria Hydra, que todo ano oferecem lírios às colegas, este ano, com a paralisação da prostituição, vão colar adesivos pelas ruas de Berlim com o texto “Lute contra o sexismo, não contra o trabalho sexual – 2 de Junho, Dia Internacional das Prostitutas”. A organização também emitiu comunicado criticando a proposta dos deputados e afirmando que “é mais importante do que nunca a luta pelo reconhecimento do trabalho sexual”.

Na Alemanha a prostituição tornou-se legal em 2002, mas desde 2017 profissionais do sexo são obrigados a se cadastrar e a ter aconselhamentos de saúde periódicos, o que não era necessário até então. As maiores críticas ao novo sistema são a perda do anonimato, já que profissionais são identificadas e têm de portar o que chamam de “passaporte de puta”, além de não confiarem que seus dados não serão passados adiante pelas autoridades de registro, e a multiplicação de trabalhadorxs clandestinxs, sobretudo migrantes, que se tornam mais vulneráveis. A nova lei também proíbe que profissionais durmam nos locais de trabalho, como bordéis, o que gera maiores gastos.

O passo atrás na legislação, ao lado da pandemia de coronavírus, pode ter incentivado parlamentares conservadores a essa tentativa recente de inviabilizar a prostituição. Por isso, também a Hydra, no comunicado para o 2 de Junho, exige “solidariedade aos trabalhadores que tiveram seus direitos roubados, mas não são vítimas passivas nem risco para a saúde”. E conclui: “Direitos de putas são direitos de trabalhadores, de mulheres, de minorias, são direitos humanos”.

Flavio Lenz é jornalista e foi editor do “Beijo da Rua", tabloide da ONG Davida.

Compartilhe nas redes sociais: