PVHA mais velhas, negras e com baixa escolaridade morrem mais de covid-19 em SP

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60% das PVHA internadas por covid-19 não estavam registradas como diagnosticadas com infecção pelo HIV

Por Paulo Giacomini

Estudo realizado com 255 pessoas vivendo com HIV ou aids (PVHA) no estado de São Paulo e notificadas com síndrome respiratória grave (SRAG) por covid-19 encontrou maiores taxas de mortalidade entre PVHA mais velhas, negras e com baixa escolaridade.

O estudo foi coordenado pelo Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS de São Paulo (CRT-DST/AIDS-SP) e realizado em parceria com outras instituições de referência para a assistência de PVHA no estado de São Paulo e o Centro de Vigilância Epidemiológica paulista.

Segundo a pesquisadora Simone Queiroz Rocha, “para a identificação das pessoas e recuperação do grande número de informações clínicas e sociodemográficas utilizadas no estudo, foram utilizadas as bases de dados dos sistemas de notificação de SRAG e dos sistemas do Ministério da Saúde que registram as notificações de HIV, exames laboratoriais (CD4 e carga viral) e dispensação de medicamentos”.

A pesquisadora afirma também que “quase 60% das pessoas incluídas neste estudo não possuíam a informação de que eram PVHA na ficha de notificação; algumas delas foram relatadas como apresentando imunossupressão, genericamente, e outras nem isso”. Ainda segundo ela, “a ficha de notificação de SRAG não possui um campo específico para a coleta desta informação, e pressupõe que informação quanto à presença da infecção pelo HIV esteja assinalada em um campo texto, de preenchimento opcional, o que percebemos nem sempre ser realizado”. Foi preciso fazer o relacionamento das bases de notificação de SRAG com as bases dos sistemas do MS que trazem informações das PVHA para identificar a totalidade dos casos incluídos no estudo.

O artigo utilizou testes estatísticos para avaliar quais fatores poderiam estar associados ao risco de admissão na UTI e óbito, ajustando o modelo por sexo, idade, raça/cor da pele, escolaridade, contagem de CD4, carga viral e número de comorbidades na análise multivariada.

Conforme explica Arthur Kalichman, médico, pesquisador e também coautor do estudo, a Saúde Pulsando, “quando você busca a associação de variáveis a um evento (por exemplo: que fatores estão associados a um maior risco de morrer de covid), pode testar uma por uma (univariada) ou colocar todas juntas para ver como elas interagem e quais se mantêm associadas ao evento (análise multivariada). Nesse estudo, quando colocamos todas as variáveis que podiam estar associadas a um maior risco de morrer de covid no modelo de análise multivariada, a raça e a escolaridade continuaram estatisticamente associadas ao maior risco de morrer, dando relevo aos aspectos de vulnerabilidade associados ao racismo e a exclusão social na mortalidade de PVHA com covid”.

Também segundo o estudo, “não foram encontradas associações estatisticamente significantes entre as variáveis independentes e a admissão na UTI” entre PVHA com SRAG por covid-19.

O estudo foi publicado na última sexta-feira (4/5) no periódico científico Aids Care e está disponível para acesso online. A seguir, em português e em inglês, o resumo do estudo publicado pelo periódico.

 

COVID-19 e HIV/AIDS em um estudo de coorte em São Paulo, Brasil: resultados e disparidades por raça e escolaridade

RESUMO
Os estudos que descrevem as características e desfechos da covid-19 entre pessoas que vivem com HIV são atualmente limitados, sem avaliação detalhada da interação entre dados demográficos, variáveis relacionadas ao HIV e comorbidades nos desfechos da covid-19. Este estudo de coorte retrospectivo descreve as taxas de mortalidade geral e de acordo com características demográficas e explora os preditores de admissão na unidade de terapia intensiva e morte entre 255 pessoas vivendo com HIV com síndrome respiratória aguda grave e infecção confirmada por SARS-CoV-2 no Estado de São Paulo, Brasil. Encontramos que a taxa de mortalidade geral foi de 4,1/1.000 pessoas-dia, com uma letalidade de 34%. Taxas mais altas ocorreram entre adultos mais velhos, pacientes de raça/cor de pele negra/mista e aqueles com menor escolaridade. Em uma análise multivariada ajustada para idade, sexo, contagem de CD4, carga viral e número de comorbidades, cor da pele/raça e escolaridade permaneceram significativamente associados com maior mortalidade. Embora o uso de tenofovir tenha sido mais frequente entre os sobreviventes na análise univariada, não conseguimos encontrar uma associação estatisticamente significante entre o uso de tenofovir e sobrevivência na análise multivariada. Nossos resultados sugerem que vulnerabilidades sociais relacionadas ao HIV e à covid-19 impactam significativamente no risco de morte, superando os fatores de risco tradicionais como idade, sexo, contagem de CD4 e comorbidades.

 

COVID-19 and HIV/AIDS in a cohort study in Sao Paulo, Brazil: outcomes and disparities by race and schooling

ABSTRACT
Studies describing characteristics and outcomes of COVID-19 among people living with HIV are currently limited, lacking detailed evaluation of the interplay among demographics, HIV-related variables, and comorbidities on COVID-19 outcomes. This retrospective cohort study describes mortality rates overall and according to demographic characteristics and explores predictors of admission to intensive care unit and death among 255 persons living with HIV with severe acute respiratory syndrome and confirmed SARS-CoV-2 infection in the State of Sao Paulo, Brazil. We found that the overall mortality rate was 4.1/1,000 person-days, with a case-fatality of 34%. Higher rates occurred among older adults, Black/Mixed skin color/race patients, and those with lower schooling. In a multivariable analysis adjusted for age, sex, CD4 count, viral load and number of comorbidities, skin color/race, and schooling remained significantly associated with higher mortality. Although tenofovir use was more frequent among survivors in the univariable analysis, we failed to find a statistically significant association between tenofovir use and survival in the multivariable analysis. Our findings suggest that social vulnerabilities related to both HIV and COVID-19 significantly impact the risk of death, overtaking traditional risk factors such as age, sex, CD4 count, and comorbidities.

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