Gestão e sociedade civil concordam: SAE precisa de fortalecimento para acolher

Manifestação no CRT, em dez/19 pela manutenção do serviço no Programa Estadual de SP

Data de 1983 o primeiro serviço especializado em HIV/aids no Brasil, no andar térreo do Instituto de Saúde, em São Paulo, atualmente, edifício da Secretaria de Estado da Saúde. Naquela época, no entanto, sem medicamentos e exames diagnósticos, se podia fazer muito pouco pelas pessoas acometidas pelo HIV.

No final dos anos 1980, com a efetivação do Sistema Único de Saúde, primeiro pela Constituição Federal de 1988, em seguida pelas leis nº 8.080 e 8.142, que regulamentam os dispositivos constitucionais relativos ao direito à saúde e com a descentralização, os municípios foram assumindo os serviços especializados.

Em 1994, com a capilarização interiorizada da epidemia de HIV/aids, começou-se a implantação dos ambulatórios para o tratamento do HIV. Mas foi em 1997, com a publicação da “Política Nacional de DST/AIDS – princípios, diretrizes e estratégias”, da Coordenação Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde, que os serviços de atendimento especializado (SAE) começam a tomar a configuração que têm atualmente em alguns estados do País.

Na “Política Nacional de DST/AIDS”, o nome SAE aparece assim no tópico de “assistência em HIV/AIDS” pela primeira vez:

“estruturar uma rede de assistência que permita o tratamento dos indivíduos portadores de HIV/aids de acordo com os diferentes graus de complexidade, estimulando a deshospitalização, por meio da implantação/implementação e credenciamento de serviços de alternativas assistenciais para indivíduos com HIV/aids na rede pública de saúde (Serviço de Assistência Especializada – SAE, Hospital Dia – HD e Assistência Domiciliar Terapêutica – ADT), tendo em vista que esses serviços apresentam uma melhor relação custo-benefício quando comparados com os serviços convencionais e permitem uma melhor qualidade de vida, particularmente após o advento da terapia antirretroviral combinada.”

Alguns estudos comprovam a relação custo-benefício argumentada acima. Serviços com mais de 50 pessoas acompanhadas têm resposta melhor do que serviços com quantidades menores de pacientes.

Atualmente, cerca de 200 SAE estão em funcionamento no estado de São Paulo. Mas, os serviços foram estruturados ao longo dos anos e incorporados pelas gestões municipais. Se em 2001 havia 203.353 pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA), segundo o boletim epidemiológico daquele ano, até junho de 2019 eram 966.058, também segundo o boletim epidemiológico divulgado em novembro do ano passado.

O incremento de pessoas não correspondeu, sem sua maioria, à ampliação da estrutura física, dos equipamentos e as equipes multidisciplinares, em alguns, foram se desfazendo com a aposentadoria de muitos servidores sem que suas vagas fossem repostas pela contratação de novos funcionários, seja por meio de concurso publico ou por alguma modalidade de contratação.

“Esse incremento de pessoas necessita de um investimento estratégico para as questões de adesão, de qualidade de vida da PVHA. A disponibilização do medicamento antirretroviral (ARV) numa unidade dispensadora de medicamentos (UDM) favorece o acesso à atenção integral”, afirma a médica sanitarista Maria Clara Gianna, da coordenação do Programa de IST/Aids da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

Segundo ela, ambulatórios têm características diferentes em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e para PVHA. Essas diferenças de características são, basicamente, marcadas pelas equipes multidisciplinares “próprias, capacitadas, atualizadas”, salienta Clara.

“Estas questões entre modelos diferentes precisam ser discutidas integrando-se com a Atenção Básica”, afirma a sanitarista. O SAE – ambulatório de HIV – deve, segundo o modelo paulista, estar articulado para qualificar a as ações na rede de cuidados.

“Os ambulatórios especializados são importantes porque ainda há questões a serem trabalhadas cotidianamente, como a vinculação, a retenção e, principalmente, o abandono do tratamento”, afirma Clara. “Ética e sigilo são muito importantes para as PVHA”, diz. “Não estamos pensando num modelo que se integre, mas que permaneça integrado com a rede”, explica ela, referindo-se à retaguarda hospitalar e à regulação, por exemplo.

“Os números sofreram um aumento substancial, mas as PVHA em seguimento apresentam menor complexidade, demandam um cuidado mais homogêneo”, pontua Clara quando perguntada se não são precisos mais equipamentos como os SAE. “O reforço das equipes é fundamental”, afirma.

“É neste sentido que estamos trabalhando junto à Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às IST, ao HIV/aids e às Hepatites Virais do Congresso Nacional”, pontua Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum das ONG/Aids do Estado de São Paulo (Foaesp), que vem trabalhando numa proposta de fortalecimento destes equipamentos em todo o Brasil.

Para Pinheiro, as cerca de 40 mil pessoas diagnosticadas com HIV anualmente no País precisam de acesso a um tratamento estruturado e qualificado. “As condições de atendimento pelos profissionais de saúde são precárias, os SAE estão sucateados”, afirma ele.

Novos ambulatórios “não é a necessidade de todo o estado”, afirma Clara, que, no entanto, afirma que é urgente a ampliação das equipes multidisciplinares. “O ambulatório (SAE) é o caminho para o processo de aproximação com a atenção básica”, conclui ela.

“O governo fez um plano que incrementou o número de centros de testagem e aconselhamento (CTA). As mais de 40 mil pessoas diagnosticadas anualmente precisam ser acolhidas em serviços humanizados e bem equipados”, diz Pinheiro. “Estamos trabalhando para isso”, conclui.

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