Superterapia aliada a vacina de vírus do hospedeiro pode acabar com HIV

O pesquisador Ricardo Diaz. Foto: Sérgio Dazzi/Unifesp

Desde sábado (4), quando a CNN Brasil publicou vídeo até então exclusivo sobre paciente brasileiro que está há 17 meses sem presença do HIV nas células e teria sido curado da infecção pelo HIV que não se fala de outra coisa em todos os jornais, revistas e programas de rádio e televisão.

E, para suprir a necessidade de informações sobre a pesquisa, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde foi desenvolvida, publicou duas notas informativas e explicativas sobre o estudo. Saúde Pulsando sintetiza ambas e as detalha abaixo, para que você entenda a pesquisa que pode ter encontrado a cura da aids.

A pesquisa da Unifesp aponta que a cura da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) está mais perto do que se imagina. Esse é o primeiro estudo – em escala global – a testar um supertratamento em indivíduos cronicamente infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), de acordo com o infectologista Ricardo Sobhie Diaz, que coordena a pesquisa e é uma das referências mundiais no assunto.

Diaz é diretor do Laboratório de Retrovirologia do Departamento de Medicina da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo e, com sua equipe, vem trabalhando em duas frentes para a cura da doença. Uma delas utiliza medicamentos e substâncias que matam o vírus no momento da replicação e eliminam as células em que o HIV fica adormecido (latência); a outra desenvolve uma vacina que leva o sistema imunológico a reagir e a eliminar as células infectadas nas quais o fármaco não é capaz de chegar.

Participaram dessa pesquisa 30 voluntários com carga viral indetectável, sob tratamento padrão, conforme o que é atualmente preconizado: a combinação de três tipos de antirretrovirais, mais conhecida como “coquetel”. Os voluntários foram divididos em seis subgrupos, recebendo – cada um deles – diferentes combinações de remédios, além do próprio “coquetel”.

Para os integrantes do subgrupo que apresentou os melhores resultados até o momento, foram administrados mais dois antirretrovirais: o dolutegravir, a droga mais forte atualmente disponível no mercado, e o maraviroc, substância que força o vírus, antes escondido, a aparecer. Aliado a isso, eles também receberam duas substâncias que potencializam o efeito dos medicamentos: a nicotinamida – uma das duas formas da vitamina B3 –, que mostrou ser capaz de impedir que o HIV se escondesse nas células; e a auranofina – um antirreumático, também conhecido como sal de ouro, que deixou de ser utilizado há muitos anos para tratar a artrite e outras doenças reumatológicas. A auranofina revelou potencial para encontrar a célula infectada e levá-la ao suicídio.

O infectologista explica que os testes in vitro, in vivo (em animais) e, agora, em humanos, confirmam que a nicotinamida é mais eficiente contra a latência quando comparada ao potencial de dois medicamentos administrados para esse fim e testados conjuntamente.

No entanto, apesar da descoberta dessas substâncias (a nicotinamida e a auranofina) para a redução expressiva da carga viral, ainda seria preciso algo estratégico que ajudasse a imunidade do paciente contra o vírus. Dessa forma, os pesquisadores desenvolveram uma vacina de células dendríticas, que conseguiu ensinar o organismo do paciente a encontrar as células infectadas e destruir uma a uma, eliminando completamente o HIV.

Estimulando o exército amigo
A vacina de células dendríticas é extremamente personalizada, já que é fabricada a partir de monócitos (células de defesa) e peptídeos (biomoléculas formadas pela ligação de dois ou mais aminoácidos) do vírus do próprio paciente.

Diaz afirma que as células dendríticas são importantes unidades funcionais do sistema imunológico cuja função é capturar microrganismos prejudiciais ao organismo para, em seguida, apresentá-los aos linfócitos T CD8. Uma vez apresentados, esses linfócitos, que participam do controle de infecções, aprendem a encontrar e matar o HIV presente em regiões do corpo – chamadas pelos especialistas de “santuários” – aonde os antirretrovirais não chegam ou, quando chegam, atuam de forma muito modesta, como cérebro, intestinos, ovários e testículos.

Os seis pacientes que fizeram parte do subgrupo que recebeu o supertratamento ainda aguardam os resultados finais da terceira dose da vacina. “Somente após as análises de sangue e das biópsias do intestino reto desses pacientes vacinados é que partiremos para o desafio final: suspender todos os medicamentos de um deles e acompanhar como seu organismo irá reagir ao longo dos meses ou, até mesmo, dos anos”, conclui. “Caso o tempo nos mostre que o vírus não voltou, aí sim, poderemos falar em cura.”

Enquanto esses resultados não forem concluídos, o infectologista deixa o alerta. “Apesar do avanço no tratamento e controle do HIV, a infecção por esse vírus ainda é a pior notícia que podemos dar ao paciente em termos de doenças sexualmente transmissíveis”, declara. “A pessoa com HIV, mesmo com carga viral indetectável, passa por inúmeros processos inflamatórios devido aos efeitos colaterais dos medicamentos.”

O supertratamento consistiu na administração de cinco medicamentos diferentes e três doses de uma vacina personalizada – fabricada com células do próprio paciente – foi capaz de tornar não detectável o vírus em dois dos cinco voluntários do subgrupo de estudo que recebeu essa abordagem terapêutica. A comprovação do feito ocorreu por meio de exames de sangue e biópsias do intestino reto, um dos órgãos considerados “santuários” do HIV. Assim como o intestino, também são considerados “santuários” o cérebro, os ovários e os testículos, uma vez que os antirretrovirais não chegam até esses locais ou, quando chegam, atuam de forma muito modesta sobre o vírus.

Como foi realizado o estudo
A pesquisa envolveu 30 voluntários com HIV e carga viral indetectável no plasma sanguíneo há mais de dois anos, mantidos sob tratamento padrão, conforme o que é atualmente preconizado: a combinação de três tipos de antirretrovirais, mais conhecida como “coquetel”. Esses voluntários foram divididos em seis subgrupos, recebendo – cada um deles – diferentes combinações de remédios, além do próprio “coquetel”, pelo período de um ano.

Para os integrantes do subgrupo de número seis (G6), que apresentou os melhores resultados até o momento, foram administrados mais dois antirretrovirais: o dolutegravir, a droga mais forte atualmente disponível no mercado; e o maraviroc, que força o vírus, antes escondido, a aparecer.

Os voluntários também receberam duas outras substâncias que potencializaram o efeito desses dois medicamentos: a nicotinamida – uma das duas formas da vitamina B3 –, que mostrou ser capaz de impedir que o HIV se escondesse nas células; e a auranofina – um antirreumático, também conhecido como sal de ouro, que deixou de ser utilizado há muitos anos para tratar a artrite reumatoide e outras doenças reumatológicas. A auranofina revelou potencial para encontrar a célula infectada e levá-la, literalmente, ao suicídio.

“Um dos motivos pelos quais não conseguimos curar o HIV é que o vírus consegue desligar a célula (latência), e o remédio de que dispomos atualmente só age na hora em que o vírus se está multiplicando”, explica o infectologista. “No entanto, as células que o HIV é capaz de fazer adormecer sempre irão acordar. Quando tratamos uma pessoa e retiramos o remédio, dois meses depois, em média, o vírus volta porque uma das células acorda.”

Diaz acrescenta que os testes anteriores in vitro e, agora, em humanos, realizados de forma inédita por sua equipe, confirmam que a nicotinamida é mais eficiente contra a latência quando comparada ao potencial de dois medicamentos administrados para esse fim e testados conjuntamente.

Apesar da descoberta da nicotinamida e da auranofina para a redução expressiva da quantidade de vírus presentes nas células humanas, ainda seria preciso algo estratégico que ajudasse a imunidade do paciente contra o vírus. Para isso, os pesquisadores desenvolveram uma vacina de células dendríticas (DCs), que conseguiu “ensinar” o organismo do paciente a encontrar as células infectadas e destruir uma a uma, eliminando completamente o HIV.

A vacina
A vacina de DCs é extremamente personalizada já que é fabricada a partir de monócitos (células de defesa) e peptídeos (biomoléculas formadas pela ligação de dois ou mais aminoácidos) do vírus do próprio paciente.

Diaz ressalta que as DCs são importantes unidades funcionais do sistema imunológico cuja tarefa é capturar microrganismos prejudiciais ao organismo para, em seguida, apresentá-los aos linfócitos T CD4 e T CD8. Uma vez apresentados, esses linfócitos, que participam do controle de infecções, aprendem a encontrar e matar as células que albergam o HIV em regiões do corpo aonde os antirretrovirais não chegam ou nas quais pouco atuam. 

“Como essas pessoas estão há muito tempo com a carga viral indetectável, o corpo perde aos poucos a capacidade de eliminar as células infectadas pelo HIV”, relata o pesquisador. “Precisamos realizar citafereses com a passagem de seis volemias (volume total de sangue que circula no corpo) em cada uma delas para conseguir retirar monócitos suficientes para transformá-los em DCs.”

A citaferese é uma espécie de filtragem de todo o sangue do corpo, efetuada por uma máquina que seleciona células específicas. Ao mesmo tempo em que o sangue é retirado de um dos braços, por meio de um cateter, é devolvido ao outro por meio da corrente sanguínea, após passar por aquele equipamento.

Depois de transformar os monócitos em DCs, Diaz e sua equipe analisaram o perfil genético de cada paciente, tendo desenvolvido um software que identificava quais peptídeos dos vírus reagiriam de acordo com os sistemas imunes específicos. “Com as células dendríticas preparadas e os peptídeos dos vírus de cada paciente, preparamos a vacina personalizada, que foi aplicada em três doses, sendo uma dose a cada duas semanas”, prossegue o expositor. “Para sabermos se a vacina funcionaria, ou seja, se ela estimularia as células CD4 e CD8 do paciente a reconhecer o vírus, fizemos os testes in vitro. O procedimento, considerado um sucesso, mostrou que a vacina foi imunogênica nessas condições.”

De acordo com Diaz, o supertratamento também foi capaz de diminuir o processo inflamatório desencadeado pelo HIV no organismo. “Esse foi outro grande achado do estudo, uma vez que a inflamação provoca degeneração de órgãos e tecidos e o envelhecimento precoce nessas pessoas.”

“Nossa” vacina de células dendríticas personalizada
1
– Citaferese para retirada de monócito;
2 – Transformação in vitro de monócitos em células dendríticas (DCs);
3 – Exposição, in vitro, das DCs aos peptídeos sequenciados do genoma do vírus;
4 - Três doses de vacina.

“Apesar da evolução no tratamento com antirretrovirais e das campanhas preventivas, os números atuais sobre a doença apontam que a aids ainda é um grave problema de saúde pública global”, resume Diaz.

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