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Por Rafaela Queiroz

O dia das mães já passou, mas há tantas coisas que não passam, saudade é uma delas. Desde quando soube que meus pais morreram em decorrência de quadro de AIDS tenho a recordação de filosofar com meus pensamentos sobre como seriam os meus dias, o meu presente e até o meu futuro, dentro dessa filosofia de datas comemorativas como esta, que são novamente tempos de filosofar. Quem consegue explicar a saudade de alguém que não se lembra nem o rosto? Apesar de fotografias, muitos de nós, jovens de transmissão vertical não têm lembrança das vivências ao lado de suas mães; ficamos sem mães e ou pais muito cedo. Nos apegamos a fotos antigas que existem ou histórias que nos foram contadas. Dessa forma, a saudade é sentida das mais diversas formas. Afinal, sentir nunca será algo definível em sentimentos, quem dirá por algumas palavras.

Eu já escrevi algumas cartas de dia das mães, umas em papel mesmo para minha mãe (adotiva, que contei no texto anterior) e outra carta para minha mãe sanguínea falecida, em pensamentos soltos ao vento. Foi assim que eu achei uma forma de me sentir ligada a elas, mas nem sempre essa forma é fácil e tão pouco indolor. Já tive a oportunidade de falar sobre esse sentir em terapia, mas essa oportunidade não é algo assim, tão assegurado para nós PVHA, tão pouco para nós pessoas de transmissão vertical. Sentimos que somos ignorados por uma sociedade que não acreditava que sobreviveríamos, mas sobrevivemos. E quem olha para nós com um olhar, ouvido ou abraço empático? Como se colocar no nosso lugar, se tão pouco sabem sobre nossas questões? Falo por muitoS aqui, então preciso dizer: Dia das mães nos remete a perdas, a dores, a solidão... Apesar de sermos os tais “filhos da Aids”, somos muitas vezes órfãos e a SIDA não é nossa mãe.

Mas preciso compartilhar que desejamos e somos mães, apesar de raramente termos um acompanhamento onde nos motivem a termos esse direito e desejo garantido da melhor forma. Quantas vezes já escutei sermão na salinha do lado no dia de consulta ou comentário no corredor entre os médicos e médicas falando sobre “irresponsabilidade” da fulana estar grávida? Nossa, escutar isso me doía e eu que vos escreve não sou mãe, mas desejo um dia ser pela via da adoção. Sim, eu escutei isso algumas vezes e conversando com outras jovens mães, elas relatavam sobre esse julgamento, apesar de médicos dizerem que é “só uma preocupação pela saúde da paciente”. Hoje eu estou com 29 anos, estou dentro de um serviço de saúde sendo acompanhada desde os 2 anos, sabem quantas vezes perguntaram sobre meu desejo de ser mãe? NENHUMA! Sabe quando conversaram sobre eu ter relações sexuais? Quando pedi encaminhamento para tomar vacina de hepatites, sim eu que também tive que pedir encaminhamento para me vacinar. Não sei dizer para vocês se a demanda de atendimento faz profissionais serem robotizados e ali só nos verem como meros vetores, afinal me sinto acompanhada somente pela minha taxa de carga viral.

Voltando a falar sobre o dia das mães, foi graças a alguns avanços em pesquisas e histórias de mulheres que tinham filhos sem HIV, por favor não usem “filhos saudáveis” (escreverei sobre como isso nos machuca em outro texto), que podemos ter ciência que mulheres HIV+ em tratamento com carga viral suprimida ou indetectável tem seus filhos HIV Negativos, sim precisou que muitas mulheres no passado “aparecessem” grávidas, para que fossem olhadas como pessoas com direito ao desejo de serem mães.

Aqui, então, agradeço a todas mães, sejam elas filhas de crianças que nasceram com ou sem HIV, do século passado ou deste século, que continuam desejando e lutando pelos seus direitos sexuais e reprodutivos. Desejo ainda que não nasçam mais crianças com HIV no Brasil e tão pouco que percam suas mães pelo HIV. Que todas sejam escutadas, aconselhadas, respeitadas e recebam acompanhamento empático. E aos meus colegas, amigos/as/es, desconhecidos/as/es que assim como eu não têm suas mães sanguíneas por perto, sintam-se abraçados. De onde elas estiverem, desejo que se orgulhem dos herdeiros e herdeiras delas neste mundo! Não desistam de serem felizes, nossos sorrisos e conquistas serão eternos presentes para elas em todos os dias das mães.

“A saudade me motivará sempre a seguir sorrindo; você sempre será um jardim de margaridas em mim.” (RQ, maio de 2021)

Em memória da minha mãe Rosângela.

“Rebeldes na Luta”, por Rafaela Queiroz
Rafaela Queiroz é psicóloga, pós-graduanda em psicopedagogia e ativista pelos Direitos Humanos e HIV/aids.


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