Jovens se abraçam Pessoas vetor criado por pikisuperstar - br.freepik.com

Por Rafaela Queiroz

“Vocês são todos rebeldes!” Nossa, perdi as contas de quantas vezes na vida já ouvi isso. De fato, para a juventude que está em fase de novas descobertas e ainda em conflito com inúmeras decisões, ser agente das próprias escolhas e rebelar-se com várias questões que transpassam essa fase é de fato algo anormal. Afinal, adulto é aquele que nunca se rebelou?!

Então, como diria Michaelis, rebeldia é uma qualidade e ainda um ato de lutar contra alguma coisa, que assim seja: Sou uma rebelde assumida!

Vocês devem estar se perguntando sobre que rebeldia estou expondo, não é mesmo? Afinal, rebeldia tem que ter causa, deve fazer sentido! Mas, das minhas rebeldias poucos se interessam; na verdade nem sequer desejam escutá-las, quem sabe agora surge algum interesse em lê-las. Espero por aqui poder dar voz às rebeldias internas e externas das pessoas que vivem com HIV de transmissão vertical (TV), estas que se infectaram durante a gestação, parto ou amamentação. Acreditem, somos muitos os rebeldes que seguem lutando, seja para viver ou lutando com suas próprias rebeldias.

Nascer com HIV não é algo novo, desde a década de 80 e 90 os primeiros “filhos das Aids” nasciam e mesmo apesar de não ter informações de quem foi o primeiro bebê a nascer com HIV no mundo, no Brasil tínhamos uma jovem de TV que era um símbolo da luta contra a Aids, Lu (Luciana Aparecida Conceição), como gostava de ser chamada, foi uma das primeiras crianças a tomar os medicamentos, mas Lu morreu aos 24 anos em quadro de aids. Lu não foi rebelde ao decidir não mais tomar os medicamentos, Lu existiu e resistiu durante esses anos, chorou, sorriu, casou-se, foi mãe de uma menina que simbolicamente tem o nome de Vitória. Lu será sempre um símbolo de Rebeldes sem Luta. Assim como ela, muitos rebeldes já partiram, mas outros seguem vivendo. Eu, Rafaela, que vos escreve sou uma!

Rafaela é meu segundo nome de registro, o primeiro era Rafaella com dois “l”, esta é apenas uma curiosidade boba, mas foi uma das primeiras descobertas que eu fiz sobre minha história. Nasci em 1991 na cidade do Rio de Janeiro, segunda filha de um casal hetero me tornei órfã de pai e mãe entre 1993 e 1994, respectivamente. Minha sorologia foi descoberta entre meus 1 e 2 anos de idade, após os primeiros sinais de adoecimento do meu pai; minha primeira consulta foi em 1992, cerca de um mês depois do meu aniversário de 2 anos. Apesar das perdas, eu me considero uma pessoa cercada de privilégios e afeto. Eu e minha irmã fomos adotadas pela irmã do meu pai e seu companheiro; desde 1994 estes são a minha base, meus pais!

Conto sobre isso detalhadamente porque nossas histórias são silenciadas e invisibilizadas, poucos de nós sabemos esses detalhes. Essa eu poderia dizer que seria o início da minha vida, que apesar de na época nós de TV já recebermos a sentença de morte – afinal, nossa expectativa de vida não existia e médico/a algum/a se comprometia a dar qualquer esperança. É até por essa falta de esperança que muitas crianças – assim como a Lu – eram abandonadas por seus familiares que não sabiam como cuidar. Dessa forma, muitos de nós viveram em abrigos ou eram “jogados” entre os familiares.

É, mas aquela Rafaella do passado não teve apenas o nome mudado de forma simples, eu não sobrevivi somente à era da sentença de morte. Eu vivo enfrentando minhas rebeldias, minhas batalhas internas, enfrento uma vida de preconceitos e discriminações, aqueles que vira e mexe cercam nossas vidas.

Hoje muitas vivências foram ressignificadas, muitas batalhas eu consegui vencer e ainda assim não deixo de olhar para aqueles que se foram e aqueles que hoje ainda são julgados por meros rebeldes. Atualmente sou Psicóloga, pós-graduanda em psicopedagogia e ativista pelos DH e HIV e sigo no movimento de luta contra Aids de forma resiliente, eu sou uma Rebelde na Luta.

“Rebeldes na Luta”, por Rafaela Queiroz
Rafaela Queiroz é psicóloga, pós-graduanda em psicopedagogia e ativista pelos Direitos Humanos e HIV/aids.


Compartilhe nas redes sociais: