Bandeira do arco-íris manchada de sangue. Imagem da internet

Por Paulo Giacomini

É de uma falta de atualização científica brutal os comentários execrados por Ana Paula Valadão, pelos quais a “pastora” associa gays e aids. Mas, é o que azeita a máquina de fazer dinheiro da maioria das neopetencostais, igrejas construídas sobre a pedra da contrarreforma de séculos passados.

Se os argumentos que embasam a associação ressuscitada dos anos 80 pela “pastora” não se sustentam à luz das evidências científicas e epidemiológicas, a construção de seu discurso, no entanto, é difícil de ser desconstruída.

Na internet, um pastor líder de uma igreja inclusiva – sim, porque entre as neopetencostais há, sim, inclusão – fez um comentário bastante sólido. “Maldita toda palavra que gera morte! A performance é sempre bem preparada com ‘intercessão’ momento para se concentrar no personagem. A atuação é triunfal, [com] músicas especialmente preparadas para os momentos fortes de oração, cria-se a atmosfera perfeita para com sua voz mansa manipular e enriquecer ainda mais seu patrimônio. E como se não bastasse se enriquecer às custas da fé das pessoas, propagam discursos de ódio contra LGBTs. Palavra sem a graça, palavra desgraçada!”

Nos anos 1980, em Nova York, quando medicamentos para o HIV era ainda uma esperança, a escritora Susan Sontag cuidou de muitos amigos que contraíram o vírus que, naquela época, se manifestava em aids.

Parece difícil para algumas pessoas entenderem que a aids é um conjunto de doenças que acometem pessoas em cuja corrente sanguínea circula o HIV em replicação, que mina o sistema imunológico provocando a síndrome (conjunto) de doenças. É como a covid-19, que é a doença provocada pelo vírus Sars-Cov-2.

Voltando a Sontag, a escritora morreu de câncer. Mas, antes, escreveu pelo menos um livro bastante revelador de uma doença mortal e como a humanidade ainda a encara. Em “aids e suas metáforas”, em meio a relatos de como ela mesma encarava o cuidado com seus amigos afetados pela pandemia de HIV, ela diz que durante sua evolução(?) a humanidade ‘escolhe’ determinadas moléstias que possam representar o mal.

A aids ainda representa o mal. Não o mal de Albert Camus, mas aquele envolto no imaginário de uma doença de transmissão sexual. O sexo é uma das melhores coisas da vida. Envolvido em sentimentos, nos leva a um paraíso moldado pelo ideal de amor, sexo e cumplicidade que há em cada ser humano.

O sexo também é a maior fonte de tabus construídos pela humanidade. Infecções provocadas por relações sexuais são terreno fértil para a propagação do puritanismo, do fundamentalismo e do conservadorismo dos costumes.

O mundo evolui empurrado pela tecnologia e pela ciência. Mas a Bíblia continua sendo uma trava à evolução humana. A “palavra de deus”, redação humana sobre a qual se constroem religiões que servem apenas para enriquecimento pessoal ou familiar – como vemos com as igrejas neopetencostais –, tornou-se apenas instrumento de manipulação.

Por isso não tenho religião. Religião é ideológica. Religião é uma instituição criada pelo homem para manipular, submeter e controlar os incautos, que é aquela pessoa ingênua, que acredita em tudo. Na verdade, que acredita naquilo que não tem condições de contestar.

É quase impossível contestar a algo onipresente, onisciente. Mas é perfeitamente possível associar Ana Paula Valadão à também “pastora” e deputada Flor de Lis.

Em nome de deus, aquele mesmo que disse “amai ao próximo como a ti mesmo; amai ao próximo como eu mesmo vos amei”, é que se cometem as barbaridades que em pleno século 2   1 ainda temos notícia: uma pastora que diz que aids é punição a gays; uma turba de desinformados que tentam linchar moralmente um médico ou uma menina que fazem um procedimento de aborto de um bebê que é fruto de um estupro; uma mulher que casa com o namorado da filha adotiva, uma “pastora” evangélica neopetencostal “caridosa” por adotar mais de 50 filhos e manda matar o marido-ex-namorado-da-filha.

É o tão prometido apocalipse: o da Bíblia e o de Blade Runner. Porém, com um final provocado por quem deveria apontá-lo como uma aberração de escórias da sociedade, como as pessoas com hanseníase curadas e abraçadas por Jesus, em demonstração de seu amor incondicional pelo outro, o “próximo” que, diz a Bíblia, ele amou.

“Diário da Macaquita”, por Paulo Giacomini
Jornalista, começou criando o jornal da empresa em que trabalhava. Da faculdade foi direto pra Coluna Gay da Revista da Folha, da Folha de S.Paulo, onde colaborou com Poder, Esporte, Turismo e Ilustrada. Trabalhou na G Magazine, fez cobertura de carnaval pra Coluna do Gugu e ajudou a criar OFuxico. No movimento de aids, escreveu, editou, fotografou, produziu e deu forma a diversas publicações. Fez especialização e mestrado em Informação e Comunicação em Saúde no Icict/Fiocruz e foi Secretário de Informação e Comunicação da RNP+BRASIL. Vive com HIV/AIDS desde 1984. É diretor de Saúde Pulsando.


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