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Por Andrea Domanico

Em 2019 foi instituída uma data para a comemoração do Dia Mundial de Combate as Hepatites Virais (28/07) sendo o mês de Julho, conhecido como “Julho Amarelo”, em referência a esta data. No mês que passou o Brasil comemorou o mês anunciando uma série de ações para eliminação das hepatites virais até 2030.

Mas as perguntas que não querem calar: Temos tanto a comemorar? O governo não está fazendo só a sua obrigação?

Pois é, isso mesmo, nem a sua obrigação completa o governo está cumprindo. Se lembrarmos do artigo 196 da Constituição Federal, tão citado na mídia: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

O Boletim Epidemiológico lançado em julho nos aponta os desafios que ainda temos que superar para poder dizer que de fato estamos caminhando para a tão desejada “Eliminação da Hepatites Virais até 2030”. Este texto é um pouco complexo por conta dos números, contudo, é necessário olhar atentamente os dados, vamos aos números primeiro e ao que podemos pensar brevemente sobre eles depois.

Hepatite A: A transmissão é fecal-oral, com vacina disponível no SUS para toda as crianças. Os dados publicados apontam um número de 0,4 por 100 mil habitantes em 2019, sendo homens 0,5 e mulheres 0,3 respectivamente; segundo próprio Boletim: “A partir de 2017, entretanto, as maiores taxas foram entre os indivíduos na faixa etária de 20 a 39 anos, principalmente entre os homens.” Isto nos fala sobre as condições sanitárias do nosso País? Pode ser, mas na tabela dos casos notificados de hepatite A em homens na faixa etária de 20 a 39 anos, a categoria ignorada em 2019 foi de 48,8% e a categoria “via fecal-oral associada à prática sexual” foi de 12,1%.

Hepatite B: A transmissão é principalmente sexual, com vacina disponível no SUS. Os dados apontam um número de 6,6 por 100 mil habitantes em 2019, sendo que as notificações maiores foram “entre as pessoas de 60 anos ou mais (14,6%). A maior taxa de detecção foi observada em indivíduos de 50 a 54 anos: em torno de 12 casos para cada 100.000 habitantes.”

Hepatite C: A transmissão é principalmente sanguínea, não existe vacina produzida nem no Brasil, nem no mundo. A partir de 2015, para ser notificado caso de Hepatite C, passou ser necessário pelo menos um de dois reagentes positivos, de forma que teve um pequeno aumento dos dados se observarmos a série histórica. O próprio BE disponível não dá a média nacional no caso da Hepatite C, os dados são apresentados de forma regional, ou seja: “A taxa de detecção dos casos com anti-HCV ou HCVRNA reagentes, em 2019, foi maior na região Sul, com 23,9 casos para cada 100 mil habitantes, seguida pelo Sudeste (13,2), Norte (5,9), Centro-Oeste (5,9) e Nordeste (3,2).” Estas diferenças nos dados podem apontar que a forma de transmissão é fundamental, uma vez que as categorias sexual, transfusional, uso de drogas, transmissão vertical, acidente de trabalho, hemodiálise, domiciliar e outros, variam substancialmente de região para região.

Temos em todos os casos uma questão de saúde pública básica, a informação, ou seja, mais uma vez precisamos discutir com a sociedade com nitidez sobre a efetividade na transmissão das diferentes formas de hepatites virais. Outra coisa comum a todas as hepatites diz respeito à notificação, sendo as hepatites virais de notificação compulsória, profissionais precisam investigar melhor para poder notificar com mais precisão, pois observamos alto índice de “categoria ignorada” na Hepatite A, “outros” na Hepatite B e C.

Por fim, “Os óbitos por hepatite C são a maior causa de morte entre as hepatites virais” mesmo tendo medicação com eficácia de 95% de cura, então por que há tantos óbitos? As pessoas não sabem que estão infectadas porque as Hepatites Virais não são uma doença midiática, além de serem de evolução lenta, alguns pacientes só se descobrem portadores quando já estão muito doentes. Há muito o que se fazer para a prevenção e tratamento das diversas formas de Hepatites Virais, ações específicas, regionalizadas e direcionadas para as diversas populações-chave, como adolescentes, profissionais do sexo, usuárixs de álcool e outras drogas. Ou seja, ir além da comemoração de um dia. Precisamos fazer mais, muito mais.

“Conversa com Domanico”, por Andrea Domanico
Andrea Domanico é psicóloga, mestre em Psicologia Social (PUC-SP), doutora em Ciências Sociais (UFBA) e pós-doutora em Enfermagem Psiquiátrica (USP). É co-fundadora do Centro de Convivência “É de Lei” e foi assessora técnica em prevenção do Programa Nacional de Hepatites Virais do Ministério da Saúde.


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