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Por Beto Volpe

Há alguns anos aconteceu uma das edições do Encontro Nacional de Pessoas Vivendo com HIV na cidade do Rio de Janeiro, evento que sempre contou com palestras e debates de alto nível no enfrentamento à epidemia de AIDS. Em uma delas o assunto era a pesquisa, tanto para cura quanto para a vacina contra o HIV, onde os palestrantes discorreram sobre as novidades da área. Durante o debate que se seguiu eu perguntei sobre o Paciente de Berlim, primeiro caso de cura que havia acabado de ser relatado, já que nenhum deles o havia mencionado. Um dos integrantes da mesa reagiu em tom de indignação:

- É por isso que nós não gostamos de divulgar dados preliminares, eles dão esperança para as pessoas!

Claro que reagi, mais indignado do que ele:

- E você acha que eu e todo mundo com HIV aqui desta sala vive de que? A esperança é tão importante quanto os medicamentos, nós vivemos dela!

A reação do auditório foi bastante ruidosa e o pesquisador viu que, se existe um longo caminho em direção à cura da AIDS, nossa esperança é maior.

Quando a terapia antirretroviral foi descoberta e incorporada ao cotidiano dos governos e sociedade, o mundo viu os investimentos voltados à pesquisa da cura da AIDS despencarem mais de 90%, afinal, era um negócio de vários bilhões de dólares que poderia se perpetuar em sua cronicidade. No entanto, com o passar do tempo, viu-se que a epidemia não era tão crônica assim, uma vez que degenerativa. O envelhecimento precoce das pessoas vivendo com HIV se tornou uma realidade inegável e enfermidades normalmente presentes em idosos foram observados com uma incidência cada vez maior entre jovens e pessoas de meia idade. Além disso, tecnologias do terceiro milênio começaram a botar as manguinhas de fora e a apresentar resultados interessantes na área, como a nanotecnologia, as células tronco e a engenharia genética. A primeira a descobrir a cura da AIDS pagaria enormes dividendos a seus acionistas e se firmaria no cenário científico internacional, ameaçando a poderosa indústria farmacêutica, fazendo com que os investimentos na cura aumentassem de volume também nos laboratórios internacionais.

Foi aí que surgiu o tal Paciente de Berlim, primeiro caso de cura da AIDS através do implante de células tronco que foi registrado em 2010 em um cidadão estadunidense, renovando nossas esperanças em ver o fim desse mal que tantas pessoas matou e outras tantas tiveram suas vidas profundamente afetadas pela presença do vírus e suas consequências. Mas, junto com a esperança das pessoas com HIV havia o ceticismo científico que julgava improvável sua aplicação em larga escala, pois dependia de uma série de fatores, incluindo uma mutação genética originada na Peste Negra da Idade Média. No entanto, em 2019 aconteceu o segundo caso de cura, desta vez no Paciente de Londres, mostrando que a iniciativa de Berlim podia ser replicada e tornando promissora a estratégia das células tronco para a cura da AIDS.

E não é que partiu da medicina tradicional a recente notícia de uma terceira cura, desta feita em nossas terras tupiniquins? O Paciente de São Paulo veio a público no início deste mês através de trabalho da UNIFESP com uma estratégia baseada em medicamentos, sem necessidade de transplante de medula como seus antecessores.

Lembro do início dos anos 90, quando os médicos e cientistas eram unânimes ao dizer que qualquer medicamento eficaz contra a AIDS somente estaria disponível no século 21, tirando as esperanças de muitos daqueles que viviam com HIV naquela época, incluindo a mim que mergulhei de cabeça nos abusos químicos. E em 1996 o coquetel de medicamentos foi apresentado na Conferência Internacional de AIDS de Vancouver e até hoje é utilizado salvando muita gente, incluindo a mim, que jurei nunca mais perder a esperança em ser curado da AIDS, uma vez que trago sequelas físicas decorrentes dos tais abusos.

Se a cura era uma utopia no século 20, hoje ela é uma possibilidade real, uma vez que tem muita gente procurando por ela e muitos são concorrentes entre si, o que torna o jogo muito mais interessante para nós. Resta-nos fazer a nossa parte através de hábitos saudáveis, que vão desde a adesão ao tratamento até evitar abusos de qualquer espécie. 

Mas, sobretudo, manter acesa a centelha da esperança que brilha dentro de nós, pois é ela que sustenta nossa vida, tanto quanto os medicamentos. Como na música de Kate Perry, você só tem que acender a luz e deixá-la brilhar, ela sempre esteve dentro de você, agora é hora de deixá-la sair.

“Carga Viral”, por Beto Volpe
Beto Volpe é ativista em Direitos Humanos, escritor, autor do livro "Morte e Vida PositHIVa" e colunista sobre HIV/AIDS em Saúde Pulsando


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