Forte, poderosa e com objetivos definidos. Foto: Arquivo pessoal

Por Vanessa Campos

O diagnóstico do HIV/AIDS nos coloca numa situação de repensar os nossos conceitos, especialmente o de quem somos e nossa autoestima. Enquanto a gente não se coloca nesse trabalho de refletir e nos confrontar intimamente com tudo isso, continuamos vulnerabilizadas pelo autoestigma. Digo isso porque fiquei muitos anos presa nestas questões. Achando que precisava ser aceita pelos homens e isso só me causava frustrações e eu fatalmente entrava em relacionamentos abusivos. Porque nesta linha de querer ser aceita, acabamos aceitando qualquer pessoa que fique ao nosso lado. E acabamos também pagando um preço altíssimo para ter esse alguém que nos violenta de diversas formas. Há pessoas que conseguem sair desse ciclo vicioso sem psicoterapia, mas quem tiver acesso ao auxílio profissional, eu recomendo.

Ser mulher vivendo com HIV/AIDS e ter sorologia pública me colocou num lugar de solidão afetivo-sexual. Antes de eu abrir publicamente minha sorologia, ainda tive alguns relacionamentos. Mas depois de abrir pra geral, nenhum homem, até agora, conseguiu encarar meu ativismo/militância. Porque eles também ficam diretamente como alvos do estigma e da discriminação, e lidar com uma mulher que se coloca como prioridade não é uma tarefa que eles estão acostumados.
Mas eu fiz uma escolha: escolhi a minha vida, meus objetivos e o que eu acredito como missão de vida que é o ativismo/militância na luta contra a AIDS. Hoje tenho certeza de que a criança que eu fui teria orgulho da mulher que me tornei e eu não abro mão disso. Isso me faz feliz, me torna alguém melhor diariamente.
O homem, para estar ao meu lado, também precisa se orgulhar disso e me apoiar.

Nesta tal solidão afetivo-sexual, aprendi a conhecer mais o meu corpo e a ter orgasmos incríveis através da masturbação.
É impressionante como a gente pouco sabe o que nos agrada sexualmente.
Cresci lendo em revistas femininas tantas matérias sobre como agradar e dar prazer ao homem. Como “prender” o homem. Como não “perder” o homem para outra mulher. E nosso prazer sempre ficando em segundo plano.
Empreender essa viagem para a liberdade requer ciência destas questões, disposição para enfrentar muitos obstáculos e coragem para modificarmos estruturas enraizadas desde nossa infância.
Nossa cultura patriarcal sempre nos moldou para ser esposa de alguém, para ser mãe, para ser cuidadora etc., menos pra ser alguém independente e que seja feliz consigo mesma sem a pretensão de realizar tudo isso para agradar aos homens.
Descobrir a melhor versão que eu possa ser tem consumido agradavelmente muito do meu tempo.
Olhar para o meu corpo e amá-lo, com tudo aquilo que antes me desagradava, é uma tarefa instigante. Buscar estratégias para modificar aquilo que não quero que permaneça também requer me colocar como prioridade.
Experimentar modificar o meu cabelo, de forma nunca antes imaginado, me dá coragem para ir além em outras questões.

A liberdade passa pela repaginação de conceitos e atitudes, e somente assim poderemos até ser um pouco disso ou tudo isso que fomos ensinadas; porém, não para agradar ou manter alguém ao nosso lado, mas porque somos felizes assim e sem perder nossa liberdade de escolha.
Me sinto LIVRE e FELIZ como jamais fui antes!
Ter um companheiro para empreender a jornada ao meu lado é uma possibilidade que não está descartada mas não é o objetivo da minha vida.

E assim me despeço, desejando que você permita-se a empreender a maior viagem que esta vida lhe pode proporcionar: conhecer e amar a si mesma. E, neste caminho, você pode vir a acrescentar um outro alguém que também esteja nesta tarefa individual. Desta forma, você compreenderá que se o HIV for um obstáculo para alguém estar ao seu lado, é porque esse alguém não está preparado para seguir a viagem junto contigo.

“Cor de Rosa-choque”, por Vanessa Campos
Vanessa Campos, 49 anos, mulher, mãe, vive com HIV/AIDS há 31 anos. É representante estadual da RNP+ Amazonas, secretária nacional de informação e comunicação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+ Brasil) e idealizadora da fanpage Soroposidhiva.


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