Vanessa Campos vive com HIV há 31 anos (Foto: Areli Campos)

Por Vanessa Campos

Se tem uma coisa que o diagnóstico de HIV me ensinou foi a enfrentar as dificuldades da vida somente quando elas se manifestarem concretamente e a não sofrer por antecedência.
Acredito que isso me salvou em 1992 e continua me salvando diariamente!

Viver a pandemia do novo coronavírus tem me levado a reviver a mesma estratégia que usei para seguir em frente quando ouvi da médica que meu teste de HIV deu positivo. Visualizo nitidamente a menina de 19 anos que se preparou por mais de dois meses para receber o resultado daquele exame e que sabidamente poderia ser uma sentença de morte.
Hoje, do alto dos meus quase 49 anos (completo em abril), olho com curiosidade praquela garota tão decidida a viver cada dia como um presente; e que olhava o futuro com muita vontade de chegar lá, mas que também se contentava se conseguisse comemorar seu aniversário de 20 anos que aconteceria um mês e meio depois daquela consulta.

Atualmente, após sobreviver a três infecções pelo Sars-Cov-2, e nas duas últimas ter desenvolvido covid-19 grave, posso dizer que já vivi este filme de luta imediata pela vida. Passar novamente por tantas dores, dúvidas e sentimento de impotência por ver entes queridos serem dizimados por uma doença, que a ciência ainda não conhece como combater, é uma segunda prova de fogo em minha vida.
Cazuza definiu muito bem:
“Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades, o tempo não para, não para não, não para.”

O viver com HIV/aids me colocou num lugar de enfrentamento a cada discriminação sofrida para que eu pudesse estar em pé até aqui. Em pé fisicamente, psicologicamente e emocionalmente. Claro que houve intervalos de prostração emocional (quem nunca?), busca pela fé através de várias experiências religiosas (aonde uma delas foi de total fuga da realidade) e dois casamentos totalmente abusivos. Enfim, cheguei em 2021 mais viva do que nunca! Com a certeza de que tenho vencido a maioria das batalhas de cada dia, aprendendo com as perdas e convivendo com as realidades que não posso mudar.

A voz de Beth Carvalho ressoa:
Ali onde eu chorei
Qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei
Quero ver quem dava
Reconhece a queda
E não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima.

O ser mulher me moldou a aprender diariamente o peso de ter peitos (você se lembra como era terrível ver seus seios brotando e ser assediada na rua por garotos babacas e velhos babões?!) e de ser “mulher de peito” (aquela que questiona, incomoda e não é bem-vinda) para transitar nesta sociedade machista, misógina e sorofóbica.

Hoje, neste 8 de Março – Dia Internacional da Mulher, desejo às companheiras de luta que nossas vozes se unam em um potente estrondo nos ouvidos do patriarcado, e que as positHIVas vHIVas sigam de salto alto pisando no conservadorismo que tem imposto o controle sobre nossos corpos. Seguimos, vivenciando nossos direitos sexuais e direitos reprodutivos, cis e trans, quebrando preconceitos, cada uma com sua história de vida e reafirmando que lugar de mulher é onde ela quiser!

“Cor de Rosa-choque”, por Vanessa Campos
Vanessa Campos, 49 anos, mulher, mãe, vive com HIV/AIDS há 31 anos. É representante estadual da RNP+ Amazonas, secretária nacional de informação e comunicação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+ Brasil) e idealizadora da fanpage Soroposidhiva.


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