dolutegravir: depressão, ganho de peso e qualidade de vida

Por Vanessa Campos

No início de 2018, juntamente com minha infectologista, optei por mudar a minha terapia antirretroviral (TARV). Então, troquei o atazanavir pelo dolutegravir, já que havia uma nota técnica do Ministério da Saúde que permitia a troca para quem estava com carga viral indetectável. Como o dolutegravir veio com a chancela de ser mais potente e com menos toxicidade, claro que eu fiz questão de fazer a troca já que eu uso antirretrovirais (ARV) desde 1997. A oportunidade de tomar um ARV mais potente e menos agressivo ao meu organismo era animadora. Meu último esquema era atazanavir e biovir (zidovudina + lamivudina) por 7 anos, sem sentir efeito colateral e com carga viral indetectável desde 2005.

No meu organismo o dolutegravir foi um completo desastre!

Foram 12 kg após os primeiros 6 meses de uso. Coceira da cabeça aos pés e taxas de glicose, colesterol e triglicerídeos vertiginosamente alteradas e com terríveis crises de dor de cabeça. A ficha de que também estava com depressão só caiu quando me dei conta de que estava há 4 dias sem tomar banho, saindo da cama somente para tomar água e me forçando a comer alguma coisa. Uma tristeza sem motivo e total desânimo para qualquer coisa. Nunca tive depressão antes!

Comecei a analisar o que poderia ter me levado a esta condição física e mental.

A consciência de que o uso contínuo da TARV é fundamental, mas que eu precisava voltar a ter qualidade de vida me fez pesquisar os efeitos colaterais do dolutegravir e aguardar a próxima consulta para levantar estes questionamentos.

Meu infectologista é um cara bacana, mas não foi fácil convencê-lo de que tudo isso que me acontecia era causado pelo dolutegravir. O fato das consultas serem de 6 em 6 meses dificultou nosso diálogo e a comprovação das minhas suspeitas em menos tempo, por isso levei 2 anos até conseguir trocar de esquema. Neste meio tempo fui em consultas com dermatologistas na Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMT/AM) e somente gastei dinheiro com remédios que não deram resultado nas coceiras. Até que consegui uma consulta ambulatorial de emergência e encontrei um infecto que praticou a escuta atentamente, e compreendeu que eu precisava de exames dermatológicos específicos para decifrar se eram alergias ou algum outro agente que causava as coceiras.

Realizar todos estes exames também levou bastante tempo. Enfim, cheguei na consulta de rotina dia 10 de janeiro com os resultados negativos destes exames, só restando a tese de que as lesões eram reações alérgicas causadas pelo dolutegravir. E assim a troca foi feita!

Meu peso era estável e sempre tive muito cuidado com minha alimentação. Só deixei de malhar no final de 2016 quando fiz uma cirurgia de miomas e foi necessário retirar todo meu aparelho reprodutor. Mesmo assim, só engordei absurdamente logo depois de começar a tomar o dolutegravir.

Na luta contra o sobrepeso, meu plano era voltar a malhar a partir de março, mas a pandemia do novo coronavírus chegou e o distanciamento social tornou-se prioridade. Gradativamente as coceiras foram amenizando mas ainda tenho um resquício nos meus pés. As taxas de açúcar e gorduras voltaram ao normal. A depressão está bem amena e no dia 18 de setembro voltei a fazer musculação (observando o uso de máscara e álcool gel). A atividade física sempre foi uma verdadeira terapia para mim e começo a sentir os efeitos benéficos, tanto físicos quanto psicológicos. Quero voltar a me olhar no espelho e me reconhecer. Minha autoestima foi muito abalada.

Na última conferência internacional da Sociedade Internacional de AIDS (IAS 2019) apresentaram trabalho mostrando que o dolutegravir pode causar aumento de peso, mais frequentemente, nos corpos de mulheres.

Uma em cada sete pessoas interrompe tratamento por causa dos efeitos colaterais da droga.

Efeitos colaterais do sistema nervoso central foram mais frequentes em mulheres.

Então, você pode estar se perguntando se vale a pena tomar o dolutegravir. Cada corpo é único, e se o dolutegravir está lhe fazendo bem, continue com ele. Mas precisamos falar dos efeitos colaterais porque ele está indicado como tratamento de primeira linha (pessoas recém diagnosticadas iniciam o tratamento com ele).

Precisamos compreender o quanto é importante buscar conhecer o próprio corpo e reconhecer quando um antirretroviral pode estar fazendo mal mesmo quando a carga viral está indetectável. Discutir estas alterações com a(o) infectologista é fundamental. O tratamento não pode roubar nossa qualidade de vida e nos impedir de ter condições de realizar as tarefas diárias. Ninguém precisa sofrer assim pra manter a adesão ao tratamento do HIV. Desta forma, garantimos esquemas antirretrovirais mais duradouros e seguros.

A trilha da adesão é muito mais que engolir comprimidos. Quem toma ARV todo dia é a pessoa que vive com HIV/aids, então, não podemos deixar de frisar que nossa voz deve sempre ser ouvida!

Tenho 48 anos, vivo com HIV/AIDS há 30 anos, tomo ARV desde 1997 e estou na luta para chegar na terceira idade com saúde e qualidade de vida.

Viva a vida!

“Cor de Rosa-choque”, por Vanessa Campos
Vanessa Campos, 49 anos, mulher, mãe, vive com HIV/AIDS há 31 anos. É representante estadual da RNP+ Amazonas, secretária nacional de informação e comunicação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+ Brasil) e idealizadora da fanpage Soroposidhiva.


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