Nuvem sobre redução de danos

Por Andrea Domanico

No final de década de 1980, mais especificamente em 1989, em Santos, a prefeitura implantou o primeiro programa de redução de danos associados ao uso de drogas, focado nos usuários de drogas injetáveis (UDI). O objetivo era fornecer equipamentos novos (seringas, água destilada e frascos de diluição) em troca dos usados, como forma de evitar a reutilização e/ou o compartilhamento dos apetrechos nas cenas de uso de drogas injetáveis para evitar as disseminação do HIV entre esta população.

Os projetos de redução de danos, na década de 1990, receberam financiamentos em diversas cidades do Brasil. Com apoio do Programa Nacional de Aids (nome da época), foram desenvolvidos por Organizações Não-Governamentais (ONG) e serviços de saúde com foco na prevenção do HIV e das Hepatites Virais. Ao longo do seu desenvolvimento, as estratégias de redução de danos associados ao uso de drogas foram sendo desenvolvidas para o que chamamos hoje de estratégias de autocuidado, o que significa que saímos da prevenção do HIV/aids e doenças de transmissão sanguínea e caminhamos para a redução dos riscos e danos sociais e à saúde decorrentes do uso de todas as drogas, indo para além da prevenção de doenças e caminhando para a prevenção do uso problemático de drogas e prevenção de overdose, por exemplo.

Será que de fato quando falamos de uso de substâncias psicoativas que podem causar dependência é possível falar de autocuidado? Mas será que de fato a redução de danos é um conjunto de estratégias exequíveis?

SIM é a resposta para ambos questionamentos.

Sim: a dependência é uma condição que pode acontecer para algumas pessoas (em média 10% das pessoas que usam drogas podem se tornar dependentes). No caso dela se instalar, uma série de cuidados que minimizem os efeitos danosos do uso de drogas devem ser implementados, buscando a discussão e o protagonismo com as pessoas que usam álcool e outras drogas para decidir, no caso de uma dependência, quais estratégias podem ser usadas, inclusive a busca pela abstinência, já que a redução de danos não é contra a abstinência, só não acredita que esta é a única opção possível.

Sim: em relação as estratégias serem exequíveis precisamos trabalhar buscando atuar num tripé que faça uma articulação entre as pessoas que usam drogas, o ambiente onde este uso acontece e a droga que está sendo usada; esta articulação fará com que as pessoas enxerguem os danos decorrentes do seu uso e pensem e criem estratégias que busquem dar às pessoas usuárias a segurança na hora do seu uso.

Ou seja, a redução de danos não faz apologia ao uso de substâncias psicoativas, ela faz apologia ao cuidado.

“Conversa com Domanico”, por Andrea Domanico
Andrea Domanico é psicóloga, mestre em Psicologia Social (PUC-SP), doutora em Ciências Sociais (UFBA) e pós-doutora em Enfermagem Psiquiátrica (USP). É co-fundadora do Centro de Convivência “É de Lei” e foi assessora técnica em prevenção do Programa Nacional de Hepatites Virais do Ministério da Saúde.


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